O QUE É O AMOR PARTE 02 AMOR E AS RELIGIÕES
Religião
Segundo Roberto Mangabeira Unger "uma
experiência religiosa fundada na dinâmica personalista da
transcendência e do amor acaba subvertendo os privilégios e as
exclusões étnicas, nacionais, culturais e de gênero, mesmo quando
parece atribuir a essas distinções significados e valores religiosos." Para ele, no caso da Bíblia por
exemplo, há duas raízes "subversivas": a primeira ao transcender o
mundo real e a segunda é o impulso de tornar-se o indivíduo disponível
aos outros.
Nas religiões, para a psicanálise, as pulsões (tendências
permanentes, e em geral inconscientes, que dirigem e incitam a
atividade do indivíduo) de amor e ódio convivem, muitas vezes levando à
prática das ações mais violentas em nome do amor; esta convivência
antagônica se faz patente nas religiões mais fundamentalistas. Assim é
que, para Bion a
religião separa, enquanto a mística une. Num outro sentido, as próprias
religiões reconhecem que o "amor puro" está bem próximo da "luxúria".
Hinduísmo
Templo indiano dedicado a Madana-Mohana.
O Hinduísmo moderno estabeleceu um culto centrado nas variadas manifestações de Krishna, especialmente em três delas que se tornaram as mais adoradas na Índia e Bangladesh:
Radha Madana Mohana; Radha Govinda Deva e Radha Gopinathaji - sendo
destes Madana Mohana a divindade que "encanta todos os Cupidos", ou
seja, o próprio deus do amor.
Segundo os seguidores do filósofo Caitanya (século XVI), Krishna é uma manifestação de Vishnu que
demonstra que um deus pode ser visto e adorado como um amante - sendo
esta relação com o deus a maior expressão que pode alcançar um devoto
de sua vertente do hinduísmo
Na antiga tradição hindu, expressa em vedas como o Bhagavad-gita,
o homem deve procurar unir-se à divindade, por caminhos que passam por
cada vez mais se libertar das coisas materiais e descobrir as
espirituais - dentre elas a prática da caridade; em suma, muitas outras
obras propõem os sentimentos passionais, como o impulso sexual, sejam
sublimados em sentimentos devocionais.
Para
essa religião o amor materno é a forma mais sublime e pura do amor, uma
vez que a mãe doa ao seu filho sem dele esperar nada em troca; isto
torna esta manifestação deste sentimento superior a todas as demais.
Judaísmo
Escultura da palavra Ahavá, noMuseu de Israel.
O amor tem sua obrigatoriedade definida no Levítico, 19:18 - "Tu
não deves tomar vingança, nem conservar ira aos filhos de teu povo -
mas deves amar ao seu vizinho (como alguém) a si próprio. Eu sou YHWH!" - Maimônides diz ser este um mitzvá pois, como está escrito, "amar seu próximo (como alguém) a si mesmo"
impõe a necessidade de cantar seus louvores, e mostrar preocupação com
seu bem-estar financeiro, como faria para o seu próprio bem-estar e
como faria para sua própria honra - e qualquer um que se aproveita do
seu próximo para se elevar não tem participação na vida futura; em
contraposição, Nachmânides pondera que, embora seja um mitzvá, a condição de amar ao próximo como a si mesmo é demais para qualquer ser humano, e já o rabino Akiva ensinava
que "sua vida vem antes da vida de seu amigo"; ele remete ao preceito
de amar ao estrangeiro como a si mesmo, também previsto no Levítico
(19:33-34), relativizando o ensinamento, para desejar ao próximo todo o
bem, sucesso e sabedoria.
No Shabat 31-A do Talmude Babilônico é narrada uma história onde um gentio procura Hilel, e lança-lhe o seguinte desafio: resumir toda a Torá durante
o tempo em que conseguisse ficar em pé sobre um só pé; o sábio o
repeliu, mas em seguida respondeu-lhe: "O que for odioso para ti, não
faça ao teu próximo, esta é toda a Torá; o resto é comentário. Vá e
estude-a!
Para a guemátria o amor é essencial; a palavra ahavá (amor em hebraico)
tem valor numérico 13, que equivale à metade do valor atribuído ao nome
divino (26), de onde o rabino Haim Vital concluiu que a combinação do
amor de duas pessoas (13 + 13) aumenta a presença divina entre elas -
sejam elas cônjuges, amigos, pais, etc.
Budismo
As três vertentes do budismo (teravada, zen e tibetano) conservam alguns pontos em comum, dentre os quais a visão sobre o amor, como expresso nesta citação do Digha Nikaya: "O ódio nunca poderá acabar com o ódio. O amor pode. Isso é uma lei inalterável"
A
meditação é um caminho que leva à estima e amor para com todos os
seres; o amor não pode se limitar, contudo, a um mero sentimento e sim
tornar-se ação de auxílio e oferenda a deus; a compaixão, no budismo,
difere da visão cristã - no sentido de que nesta ele é uma forma de
afeto, algo que a doutrina de Buda rejeita, e sim num conceito de puro
amor cristão, de humanitarismo e doçura.
Cristianismo
O amor ocupa o centro do pensamento de Santo Agostinho, um dos Pais da Igreja; tal como em sua própria vida, ele divide o amor em dois: o amor sensual, "cupiditas",
e o amor transcendental, que evolui do primeiro, que é mundano, para o
segundo, pleno e divino; o amor, ainda segundo o padre de Hipona, para
se manifestar no ser humano é preciso que este possua paixão, desejo e
carência.[56]
Na obra agostiniana vê-se clara influência dos textos paulinos, especialmente da sua Primeira Epístola aos Coríntios; ali, vê-se o amor (caridade) como a base mesma do ser: "Se não tiver amor, eu nada serei".
Protestantismo
As ideias de Calvino, segundo Max Weber, romperam com visões tradicionais da Igreja ao colocar valores como o amor acima da terrível justiça divina; segundo Colin Campbell “Essa
revolução na crença preparou o caminho para uma revolução ainda maior,
representada pelo Romantismo, que rejeitou ao mesmo tempo as doutrinas
literal e histórica do Cristianismo, enquanto reteve uma crença tanto
na bondade da humanidade como na espiritualidade que ligava a natureza
do homem ao mundo natural”
Espiritismo
Para a Doutrina Espírita o amor é uma das leis morais da vida, complemento da lei de justiça e imanente à caridade; Allan Kardec escreveu que "amar o próximo é fazer-lhe todo o bem que nos seja possível e que desejáramos nos fosse feito", a explicar a máxima cristã de "amai-vos uns aos outros como irmãos".
Num
plano mais amplo, considera como amor a força física da união, presente
nos seres inanimados mais simples, evoluindo em gradação paulatina da
sexualidade até a sublimação das emoções e, finalmente, no amor divino.
Testemunhas de Jeová
Para as Testemunhas de Jeová existe
falta de amor no mundo; embora considerem o amor ao próximo algo
essencial, ponderam que isto não se restringe a ser bondoso, e mais
importante é o amor a Deus, manifesto na obediência aos seus
mandamentos: o que se demonstra pelo estudo e aplicação da "Palavra de
Deus" e pela reunião junto aos demais, em adoração.
Através
da reunião dos fiéis este amor transpõe todas as barreiras - sociais,
raciais e nacionais - de modo tão forte que distingue as pessoas como
realmente diferentes das demais: uma das razões pelas quais deve o
cristão se recusar a pegar em armas, nas guerras.
O
mundo apresenta desregramentos e crimes diversos, propagados através de
"falsos profetas" - que falam de suas próprias idéias em detrimento da
"Palavra de Deus", resultando no aumento do número de divórcios, do sexo extra-matrimônio, aceitação do homossexualismo; seguir tais filosofias aumenta a falta de amor no mundo.
Islamismo e crenças árabes
Na cultura islâmica o amor não é motivo para o casamento, ele vem depois.
Para o Islã o
amor está ligado ao ódio: não se pode amar a Deus (Alá) ou aos outros,
sem com isto não odiar o mal. O amor humano distingue-se do amor
divino, e este deve estar inerente à fé do indivíduo - está de tal
forma impregnado na doutrina islâmica que constitui elemento essencial
para a sua visão do mundo, nos aspectos teológicos, místicos e éticos.
Esta peculiar visão do amor prega que "a fé nada mais é do que o amor pelo amor de Deus, e ódio pelo amor de Deus" e que "foi por amor que Deus criou o mundo".
A compreensão da caridade, ou amor ao próximo necessitado, aproxima o Alcorão do Novo Testamento; nas escrituras do Profeta se lê (76: 8 e 9) que "E
eles dão comida ao pobre, ao órfão e ao cativo por amor a Ele. [Eles
dizem:] Só os alimentamos pelo amor de Deus. Não desejamos de você nem
recompensa, nem gratidão", enquanto em Mateus (25:
31-46) se lê que, no dia do Juízo, Deus perguntará a cada um o que
fizeram por Ele, e esclarece que estava em cada um que teve sede, e não
deram água; estava doente, e não foram visitá-lo.
O Corão faz mais de oitenta menções ao amor ou seus sinônimos (carinho e afeto) Dentre
os diferentes tipos de amor, há aquele que busca a satisfação dos
desejos, que é temporal e carente de valor positivo; há, em
contrapartida, o amor que tende à satisfação do espírito e sentimental,
tal como o pregado pelo Sufismo,
e que cabe a um número reduzido de pessoas alcançar; finalmente há o
amor ou afeto que tem papel familiar e humano, em que um dos aspectos é
a obtenção da felicidade comum entre os indivíduos, as famílias e os
grupos, bem como atingir a paz social - sendo portanto um tipo de amor
permitido pela religião, pela moral e pelos costumes. Segundo o Imã Shamsuddin Ibnul Qayyem, "Existem
vários tipos de amor. O maior e o mais virtuoso deles é o amor em Alá e
para Alá. Isto requer amar o que Alá ama, e amar a Alá e ao Seu
Mensageiro. Finalmente,
para o Islã o amor precisa ser iluminado: a razão precisa estar no
domínio pois, se o amor torna a pessoa negligente e parcial sobre o
objeto amado, o amante fica "cego e surdo". Por isso que o amor sagrado
precisa ser inteligente e perspicaz, o que só a razão permite ocorrer.
Ao
contrário da cultura ocidental e cristã, o sexo dentro do
relacionamento não é visto como algo pecaminoso - mas sim fruto de uma
mais alta manifestação de alegria dos céus; os jogos sexuais (mula‘aba) no casamento são estimulados na obra de Maomé, e o estudioso Abdelwahab Bouhdiba afirma que “o amor muçulmano é um amor sem pecado, um amor sem culpa” A despeito disto, um hadice atribuído
ao Profeta diz que quando um homem e uma mulher se sentam juntos, Satã
é o terceiro com eles - com isto o namoro ocidental como etapa de
conhecimento mútuo é algo proibido, devendo ser supervisionado - e o
amor romântico não é visto como algo inicialmente necessário para o
casamento. ] Desta forma, num casamento, espera-se que o amor venha depois, com o conhecimento entre o casal.
Outras definições religiosas
- Para a Seicho-no-ie, no dizer de seu fundador Masaharu Taniguchi, "Quando a sua vida cotidiana é regida pelo Amor, o homem vivifica a si mesmo e também as pessoas arredor. Isso porque Amor é Vida"; tal sentimento constitui-se na própria natureza divina do homem, um legado que Deus deu ao homem.
- Para a Teosofia a evolução do homem em várias encarnações dá-se com o objetivo de alcançar o estágio no qual possa vir a tornar-se "a expressão do Amor divino aqui na Terra", para tanto vencendo os obstáculos do ego, com perseverança, de modo a atingir um grau no qual "se eleve ao ponto de tornar-se mais do que um homem; inabalável, alegre, radiante, que viva exclusivamente para os outros", na lição do reverendo Charles Webster Leadbeater.
Umbanda, Candomblé e sincretismo afro-brasileiro
Duas alegorias de Oxun, noCandomblé.
Para as religiões de matriz africana no Brasil (Umbanda, Candomblé e outras sincréticas), o amor é um dom que fora dado a Oxum pela divindade criadora de tudo, Olodumare.
No Candomblé cada manifestação da natureza torna-se uma área sob domínio de uma figura dos Orixás,
divindades que representam energia mas que, no imaginário social,
assume formas humanas e seus gêneros masculino e feminino - de tal
forma que Oxum será a deusa das águas doces, dona do amor e da
fertilidade, personificada numa mulher de fartos seios, corpo
escultural e dócil de caráter.
Para a construção sincrética do culto a Oxum ela é geralmente reverenciada como Nossa Senhora da Candelária; a sua comida típica é o ipetê, servido em ritual próprio do candomblé.
O hino da Umbanda canta que "É o reino de oxalá / Onde há paz e amor (...) Umbanda é paz, é amor / É um mundo cheio de luz"
Filosofia
A discussão filosófica sobre
o tema tem início no questionamento da "natureza do amor", levando-se
em conta que o sentimento possua mesmo uma natureza (algo que sofre
críticas, ao argumento de que o amor é algo irracional - como tal
considerado por não poder receber descrições racionais ou de
significado). Quando o termo não possui sinônimos no idioma, isto se
resolve recorrendo-se aos termos gregos eros, philia e ágape.
Eros
É comum referir-se a eros (do grego erasthai) como um amor apaixonado e muitas vezes como sinônimo do desejo sexual (do grego erotikos). Mas em Platão este
é o sentimento que procura o belo (Fedro, 249 E) que é algo que nunca
será satisfeito até desaparecer - embora todos devamos almejar uma
imagem além daquela que temos, contemplando a beleza em si.[18] Eros,
assim, se relaciona com a busca da beleza ideal, da verdade; muitos são
os que seguem a ideia platônica de que o amor erótico transcende ao
desejo físico que, sendo comum aos animais, é inferior do que algo
conduzido pela razão.
Philia
Enquanto eros abarca desejo, a philia denota não somente amizade, mas a lealdade à família, à comunidade, ao trabalho, etc. Aristóteles (in: Ética a Nicômaco,
Livro VIII) explica que é a ação que o agente pratica visando o bem de
outro, ao invés de a si próprio; o filósofo exemplifica (in: Retórica,
II 4) que "as coisas que fazem a amizade ser o que é: fazer gentilezas,
fazê-las sem ser convidado, e não proclamar o fato de tê-las feito".
Aristóteles
relaciona coisas que a amizade não comporta, como as brigas, fofocas,
personalidade agressiva ou injusta, etc. Assim,a pessoa que melhor será
capaz de produzir uma amizade, e portanto o amor, é aquela de caráter
bom e digno; o homem racional é o mais feliz e, portanto, é capaz de
produzir a melhor forma de amizade que, contudo, é muito rara pois
supõe uma amizade entre duas pessoas boas, "iguais em virtude". O
pensamento aristotélico reflete as amizades baseadas no prazer ou em
algum negócio - ao cabo dos quais a amizade se dissolve, sendo portanto
de uma menor qualidade; a forma mais elevada de amor, para este
pensador, principia no amor a si mesmo pois, sem uma base egoísta, a
pessoa não será capaz de estender simpatia e carinho aos demais. Não
é algo voltado ao auto-prazer ou imediatista, mas sim fruto da busca
pelo nobre e virtuoso; ele vai além, dizendo que um homem virtuoso
merece ser amado pelos que lhe estão abaixo, mas não está obrigado a
devolver um amor igual - criando assim um conceito elitista ou
perfeccionista; a despeito disto, mister haja uma reciprocidade na
amizade e no amor, não necessariamente igual (a exceção seria o amor
dos pais, que podem envolver um carinho unilateral).
Ágape
Ágape
define o amor de Deus para com os homens, e dos homens para com Deus -
sendo extensivo também para o amor fraternal a toda a humanidade;
envolve elementos de eros e da philia, na medida em que procura por uma
perfeição, uma paixão sem reciprocidade. Este conceito foi ampliado na
percepção religiosa judaico-cristã, tal como está prescrito emDeuteronômio (6:5): "Amarás o Senhor teu Deus com todo o coração, e de toda a tua alma e com todas as tuas forças".
Agostinho de Hipona é
um elo entre as ideias platônicas de eros e o ágape, pois como nele tal
amor envolve paixão, admiração e desejos, que estão além dos cuidados e
obstáculos terrenos. Tomás de Aquino,
por sua vez, prende-se a tradição aristotélica da amizade, definindo
Deus como o ser mais racional e, por conseguinte, o mais merecedor de
amor, respeito e consideração.
Embora
o amor universalista de ágape confronte o parcialismo de Aristóteles,
Aquino coloca que há sim parcialismo quando devemos ser tolerantes com
tudo; Kierkegaard, porém, não admite parcialidade no conceito de ágape. O próprio filósofo grego, em sua concepção, disse que "Não
se pode ser um amigo de muitas pessoas, no sentido de ter amizade do
tipo perfeito com eles, assim como não se pode ser no amor com muitas
pessoas ao mesmo tempo (porque o amor é uma espécie de excesso de
sentimento, e é da natureza disto que apenas pode ser sentida em
direção a uma pessoa) ." |