Bom samaritanoA Parábola do Bom Samaritano é uma famosa parábola do Novo Testamento que aparece unicamente em Lucas 10:30-37. O ponto de vista majoritário indica que esta parábola foi contada por Jesus a fim de ilustrar que a compaixão deveria ser aplicada a todas as pessoas, e que o cumprimento do espírito e da Lei é tão importante quanto o cumprimento da letra da Lei. Jesus coloca a definição depróximo num contexto mais amplo, além daquilo que as pessoas geralmente consideravam como tal. |
25. Levantando-se um doutor da lei, experimentou-o, dizendo: Mestre, que farei para herdar a vida eterna? 26. Respondeu-lhe Jesus: Que é o que está escrito na Lei? como lês tu? 27. Respondeu ele: Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de toda a tua força e de todo o teu entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo. 28. Replicou-lhe Jesus: Respondeste bem; faze isso, e viverás. 29. Ele, porém, querendo justificar-se, perguntou a Jesus: E quem é o meu próximo? 30. Prosseguindo Jesus, disse: Um homem descia de Jerusalém a Jericó, e caiu nas mãos de salteadores que, depois de o despirem e espancarem, se retiraram, deixando-o meio morto. 31. Por uma coincidência descia por aquele caminho um sacerdote; quando o viu, passou de largo. 32. Do mesmo modo também um levita, chegando ao lugar e vendo-o, passou de largo. 33. Um samaritano, porém, que ia de viagem, aproximou-se do homem e, vendo-o, teve compaixão dele. 34. Chegando-se, atou-lhe as feridas, deitando nelas azeite e vinho e, pondo-o sobre o seu animal, levou-o para uma hospedaria e tratou-o. 35. No dia seguinte tirou dois denários, deu-os ao hospedeiro e disse: Trata-o e quanto gastares de mais, na volta eu te pagarei. 36. Qual destes três te parece ter sido o próximo daquele que caiu nas mãos dos salteadores? 37. Respondeu o doutor da lei: Aquele que usou de misericórdia para com ele. Disse-lhe Jesus: Vai-te, e faze tu o mesmo. " – S:Tradução Brasileira da Bíblia/Lucas/X |
Elementos da parábolaJerusalémPara as religiões abraâmicas significa "a visão da paz", era um local de paz, história, religião e privilégio. Essa era a cidade que Deus escolhera para ali colocar o seu nome, o centro de adoração e comunhão com ele próprio. |
JericóBiblicamente era a cidade da maldição (Josué 6:26); no entanto, era uma bela localidade, graças à sua localização e suas palmeiras. Mas essa cidade, que estivera debaixo da maldição durante séculos, tornara-se, naquele tempo, um abrigo sacerdotal, onde viviam sacerdotes quando não estudavam em Jerusalém, distante aproximadamente 24 quilômetros. A estrada entre as duas cidades estava situada num vale rochoso e perigoso, e era freqüentada por ladrões e assaltantes; portanto não oferecia segurança aos viajantes. Sacerdotes e levitas, graças à sua vocação religiosa, nunca eram molestados pelos ladrões que, por causa de seus atos de violência, fizeram com que aquela região selvagem recebesse o nome de Adumim (Josué 15:7, Josué 18:7), ou passagem de sangue. Josefo nos conta que um pouco antes de Cristo haver narrado essa parábola, Herodes dispensara 40 mil trabalhadores do templo, e muitos deles se tornaram assaltantes de estrada, corruptos, e tinham a seu favor os lugares que ofereciam condições para se esconderem e as curvas fechadas da estrada, para os ajudarem em seus saques diabólicos. Foi por essa estrada infestada de ladrões que "um homem" viajava e descia de Jerusalém para Jerico. Não sabemos quem ele era. Provavelmente um mercador judeu. Talvez tivesse acontecido um ato de violência como aquele, recentemente, e nosso Senhor, ao tomar conhecimento disso, o usou com grande resultado. É também provável que os ladrões observaram os passos do viajante e conheciam quais eram os seus negócios; e concluíram que ele provavelmente trazia dinheiro consigo. Então armaram uma emboscada contra ele e, após amarrá-lo, feriram-no e o deixaram quase morto. Roubaram-lhe tudo o que tinha e vestia, de forma completa e impiedosa. Mas esse foi apenas o menor dos danos que os ladrões lhe causaram. Eles o espancaram violentamente e o deixaram exausto e quase morto para que falecesse na solidão daquele local inóspito. Aqueles assaltantes jamais esperavam que outro viajante fosse passar exatamente naquele local da estrada, deserta e perigosa, a tempo de salvar aquela vítima quase assassinada. É nesse ponto que o Mestre das parábolas acrescenta um toque fascinante: "Casualmente descia pelo mesmo caminho certo sacerdote". Casualmente. Será que o viajante abandonado e semimorto veria aquela situação como casualidade ou destino? Será que Deus tinha alguma relação com o desenrolar dos acontecimentos na vida dos homens, e sabia como lhe providenciar alívio? A palavra usada aqui para "casualmente" foi coincidência. Não foi por frívola casualidade que o sacerdote, o levita e o samaritano passaram por aquele mesmo local onde o homem estava deitado, gemendo. Eles trilhavam aquele caminho porque Deus assim preparara aquele momento, e assim cumpriu com exatidão o seu plano. O Senhor, como planejador Onisciente, sabe como fazer acontecer um encontro entre pessoas quando necessário. "Muitas boas oportunidades estão encobertas sob os acontecimentos que parecem acontecer apenas por acaso". Na providência de Deus ou nos registros dos evangelhos, não existe casualidade. O sacerdote passou por aquele caminho exatamente para que algo coincidisse e harmonizasse-se com outro acontecimento. Ele jamais evitaria encontrar-se com o homem que precisava de ajuda. No entanto o sacerdote não viu aquela situação como uma feliz coincidência, algo planejado por Deus para que pudesse ajudar uma alma necessitada. Ele viu o viajante que fora abatido e estava agonizante, mas passou por ele sem nada fazer. |
Doutor da Lei (vv. 25)Um especialista na Torá. No grego, nomikos, o qual seria considerado um "advogado" no contexto não-judaico, aqui significa um especialista na lei judaica, incluindo tanto a Torá Escrita quanto Oral (a Tradição dos Anciãos mencionada em Marcos 7:2-4). SacerdoteEsse saudável e despreocupado sacerdote, um servo da lei obrigado a agir com misericórdia até para com um animal (Êxodo 23:4-5). Temos aqui um homem que dizia abertamente ser consagrado a Deus e, nesse exato momento, estava a caminho de casa, após ter cumprido o seu turno no serviço do templo. E claro que, após as suas orações e sacrifícios, ele será misericordioso para com o homem que dolorosamente precisava de misericórdia. Porém esse líder espiritual, que era um dos 12 mil sacerdotes os quais viviam em Jerico naquela ocasião, evidentemente tinha deixado Deus no templo e não tinha tempo nem compaixão pelo seu desafortunado companheiro judeu. Talvez ele estivesse demasiadamente apressado para chegar em casa, a fim de cuidar de seus outros interesses. Assim como o doutor da lei, para quem Jesus proferiu esta parábola, esse sacerdote conhecia a lei com o seu mandamento sobre o amar a Deus e ao próximo; mas, se havia um próximo, certamente era aquele homem abandonado, seminu e agonizante que estava ali aos seus pés. Porém, com dureza de coração, ele passa distante do ferido, pelo outro lado! O LevitaSendo chamado Levi, ele era quase certamente um descendente de Levi, filho Ya'akov e, portanto, um membro da tribo levita separado para o trabalho ligado ao Templo. O outro membro dessa tribo que veio a crer Yeshua foi Bar- Nabba (Atos 4:36). O trecho de Êxodo 6:7 nos diz que "Um grande múmero de Kohanim tornou-se obediente à fé" (os kohanim ou sacerdotes são um clã dentro da tribo de Levi).2 Entre os judeus não-messiânicos de hoje, os kohanim ou levitas ainda detém certos direitos e responsabilidades distintos daqueles de outros judeus. Por exemplo, na leitura pública da Torá numa sinagoga ortodoxa, a primeira leitura é feita por um kohen, a segunda é feita por um levita; e as leituras seguintes (da terceira até a sétima) podem ser feitas por qualquer outro homem judeu. Em seguida, surge outro viajante e, com o seu caminhar, a esperança volta a brilhar dentro do homem quase morto. O levita era da mesma tribo do sacerdote, mas de um dos ramos inferiores. Era um servo do templo e, como ministro de adoração e intérprete da lei, deveria ter sentido grande vontade de ajudar aquela alma assustada que ele viu; contudo, deixou o homem sem assistência. Esses dois líderes espirituais deveriam ser os primeiros a traduzir sua fé em Deus, em preocupação e cuidado para com o corpo espancado do viajante. Por que Jesus introduziu o sacerdote e o levita na parábola? Foi para reprovar uma religião falsa, sem coração, destituída de compaixão, formal e organizada, para revelar no bom samaritano o verdadeiro espírito da religião em sua essência. Jesus era fiel à religião dos judeus, mas escolheu o filho de Samaria, para fortalecer a sua repreensão ao sacerdote e ao levita que haviam falhado em sua sublime missão, da mesma forma que a Igreja se esquece de seu dever primário, quando a fortuna, o conforto, a descontração e o orgulho minam as forças de sua compaixão. |
O Samaritano (vv. 33)Um homem de Shomron. Isto é, um homem de Samaria, mais conhecido como o "bom samaritano". Tem havido inimizade por séculos entre os judeus e os samaritanos (veja Yn 4:9N), e assim o interrogador de Yeshua provavelmente também teria pouca apreciação pelos samaritanos, e poderia ter pensado que se um sacerdote e um levita se recusaram a ajudar o homem, quanto mais um indigno samaritano o ajudaria. O próprio Yeshua tinha recentemente viajado através de Samaria (9:51-53). Os samaritanos não eram puros em termos raciais, mas uma mistura de judeu e gentio; por isso, eram odiados pelos que tinham o sangue integral do grupo étnico judaico. Os judeus não queriam comunhão com os samaritanos e os rejeitavam. Embora os dois grupos morassem próximos uns dos outros, não se consideravam e nem se tratavam como próximos no sentido moral da palavra. Assim o doutor da lei deve ter ficado bastante surpreso, quando Jesus apresentou o samaritano como a única pessoa que se dispôs a ajudar aquele judeu indefeso, na estrada solitária e perigosa. O homem que ajudou o pobre necessitado foi exatamente o que ele menos esperava que o faria. A Bíblia de Jerusalém:
Azeite e vinho (vv 34)Azeite e vinho eram considerados como remédios. 2 Denários (vv. 35)Dinheiro equivalente a dois dias de trabalho, literalmente, "salário de dois dias". |
Propósito da parábolaCerto dia um doutor da lei" testou o conhecimento e a autoridade de Jesus com duas perguntas. A profissão de um "doutor da lei" era ocupar-se com a lei mosaica. Ele tinha a função oficial de interpretar a lei e guiar o povo em como relacionar as suas vidas com ela. Quando um judeu tinha alguma dúvida que o incomodasse quanto ao seu comportamento, ele consultava um doutor da lei ou um escriba, para saber o que a Tora dizia sobre aquele assunto. Ao opor-se a Jesus, esse doutor da lei disse: "Mestre, que farei (eu) para herdar a vida eterna?" Ele queria que o nosso Senhor o instruísse em como obter a vida em sua plenitude —vida perfeita em todos os sentidos. Jesus replicou de maneira muito hábil. Aplicou um termo técnico constantemente usado pelos escribas e doutores da lei que, ao consultarem-se entre si sobre algum assunto da lei, diziam: "Como lês tu?" Jesus disse: "O que está escrito na lei? Como lês?" Isso direcionou a conversa novamente para o escriba, e forçou-o a recorrer ao que ele já sabia sobre os mandamentos da lei. E ele então concedeu a única resposta correta e completa que poderia dar, i.e., que tinha de amar a Deus e também ao seu próximo. Jesus o elogiou pela sua resposta e disse: "Respondeste bem. Faze isso, e viverás". O doutor da lei, por desejar sinceramente mais instruções, perguntou: "E quem é o meu próximo?" Assim ele voltou à segunda parte de sua própria resposta. Ele não tinha dúvidas da existência de Deus e da necessidade de amá-lo com o coração, alma, forças e mente. O que o incomodava era a identidade do próximo a quem ele devia amar. Como doutor da lei, ele pertencia a uma categoria de mestres, os quais diziam que nenhum gentio seria um próximo deles. Como judeu, ele só considerava próximo aquele que pertencesse ao povo da aliança. Somos informados que esse doutor da lei fez essa segunda pergunta sobre o seu próximo, para justificar a si mesmo. Justificar-se com quem? Não com o povo à sua volta, mas com a sua própria consciência. Havia uma suspeita escondida no fundo de sua mente, de que rejeitar um gentio, simplesmente por ser gentio, não era correto e, então, como estrategista, ele procurou jogar a responsabilidade sobre Jesus, que lhe respondeu com essa bela e cativante narrativa, a qual chamamos de Bom samaritano. |
InterpretaçãoCristo dá o exemplo de um pobre judeus em apuros, socorrido por um bom samaritano. Este coitado caiu nas mãos de ladrões que o deixaram ferido e quase moribundo. Os que deveriam ser seus amigos o ignoraram, e foi atendido por um estrangeiro, um samaritano, da nação que os judeus mais desprezavam e detestavam, com os que não queriam ter tratos. É lamentável observar quanto domina o egoísmo nestes níveis; quantas escusas dão os homens para pouparse problemas ou gastos em ajudar o próximo. O verdadeiro cristão tem escrita em seu coração a lei do amor. O Espírito de Cristo mora nele; a imagem de Cristo se renova em sua alma. A parábola é uma bela explicação da lei de amar ao próximo como a um mesmo, sem acepção de nação, partido nem outra distinção. Também estabelece a bondade e o amor de Deus nosso Salvador para com os miseráveis pecadores. Nós éramos como este coitado viajante em apuros. Satanás, nosso inimigo, nos roubou e nos feriu: tal é o mal que nos faz o pecado. o bendito Jesus se compadeceu de nós. O crente considera que Jesus o amou e deu sua vida por ele quando éramos inimigos e rebeldes; e tendo mostrado misericórdia, o exorta a ir a fazer o mesmo. é o nosso dever, em nosso trabalho e segundo a nossa capacidade, socorrer, ajudar e aliviar a todos os que estejam em apertos e necessitados. Esperava-se que os rabinos debatessem questões teológicas em público, e a pergunta que esse escriba (advogado) fez costumava ser discutida com freqüência entre os judeus. Foi uma boa pergunta feita por um péssimo motivo, pois o escriba queria fazer Jesus cair numa armadilha. Mas o "feitiço virou contra o feiticeiro", por assim dizer. Jesus remeteu-o de volta à Lei, não porque a Lei nos salva (Gálatas 2:16, Gálatas 2:21, Gálatas 3:21)), mas porque a Lei mostra que precisamos ser salvos. Não é possível haver conversão verdadeira enquanto não estivermos convencidos de que somos pecadores; a Lei é o instrumento de Deus para convencer do pecado (Romanos 3:20). O escriba deu a resposta certa, mas não a aplicou a si mesmo nem reconheceu a própria falta de amor tanto para com Deus quanto para com seu próximo. Assim, em vez de ser justificado, colocando-se à mercê de Deus (Lucas 18:9-14), tentou justificar-se e escapar de sua situação difícil. Usou a velha tática de debate: "Defina esses termos. O que você quer dizer com 'o próximo'? Quem é meu próximo?" Jesus não disse que essa história é uma parábola, de modo que é possível tratar-se do relato de um acontecimento real. Jesus corria grande risco ao contar uma história em que os judeus eram apresentados de modo negativo e os samaritanos de modo positivo, e seu relato poderia ser usado contra ele. Um exemplo desse tipo não seria verossímil o suficiente para servir de parábola, de modo que seus ouvintes, inclusive o escriba, entenderam que o fato realmente havia ocorrido. De qualquer modo, trata- se de uma narração realista. A pior coisa que se pode fazer com qualquer parábola, especialmente esta, é transformá-la numa alegoria em que tudo representa alguma outra coisa. A vítima torna-se o pecador perdido, quase morto (fisicamente vivo, mas espiritualmente morto), abandonado à beira da estrada da vida. O sacerdote e o levita representam a lei e os sacrifícios, ambos incapazes de salvar o pecador. O samaritano é Jesus Cristo, que salva o homem, paga suas contas e promete voltar. A hospedaria é a Igreja, que cuida dos cristãos, e os dois denários são as duas ordenanças, o batismo e a Ceia do Senhor. Ao abordar as Escrituras dessa maneira, podemos fazer a Bíblia dizer praticamente qualquer coisa que nos convenha e, certamente, não encontraremos a mensagem verdadeira que Deus deseja nos transmitir. A estrada de Jerusalém para Jericó era, de fato, perigosa. Uma vez que os funcionários do templo a usavam com tanta freqüência, seria de se imaginar que os judeus ou os romanos tomassem providências para torná-la mais segura. No entanto, é muito mais fácil manter um sistema religioso do que fazer melhorias na vizinhança. Não é difícil pensar em justificativas para a atitude do sacerdote e do levita. (Talvez nós mesmos já tenhamos usado algumas delas!) O sacerdote havia servido a Deus no templo a semana inteira e sentia-se ansioso por voltar para casa. Talvez houvesse bandidos por lá e estivessem usando a vítima como "isca". Por que se arriscar? De qualquer modo, não era culpa dele que o homem tivesse sido atacado. Por ser uma estrada movimentada, alguém acabaria ajudando o homem. O sacerdote deixou a responsabilidade para o levita que, por sua vez, não fez coisa alguma! O mau exemplo de um homem religioso tem grande poder. Ao usar o samaritano como o herói, Jesus desconcertou os judeus, pois judeus e samaritanos eram inimigos (João 4:9, João 8:48). Não foi um judeu que ajudou um samaritano; antes, um samaritano ajudou um judeu que havia sido ignorado por seus compatriotas/ O samaritano demonstrou amor por aqueles que o odiavam, arriscou a própria vida, gastou seu dinheiro (o equivalente ao salário de dois dias de um trabalhador) e, tanto quanto sabemos, jamais foi publicamente reconhecido nem honrado. O gesto do samaritano ajuda a entender o que significa "usar de misericórdia" (Lucas 10:37) e ilustra o ministério de Jesus Cristo. O samaritano identificou a necessidade do homem desconhecido e se compadeceu dele. Não havia qualquer motivo lógico para que mudasse seus planos e gastasse seu dinheiro só para ajudar um "inimigo" necessitado, mas a misericórdia não precisa de motivos. Por ser especialista na Lei, o escriba certamente sabia que Deus exigia que seu povo tivesse misericórdia de estrangeiros e de inimigos (Êxodo 23:4-5, Levítico 19:33, Miqueias 6:8). Observe como Jesus "virou a mesa" de modo tão sábio em sua conversa com oescriba. Na uma tentativa de fugir a suas responsabilidades, o escriba havia perguntado "quem é meu próximo?". Jesus, porém, perguntou: "qual desses três foi o próximo da vítima?". A grande pergunta - "a quem posso demonstrar misericórdia?" - não tem relação aJguma com geografia, cidadania ou raça. Onde quer que precisem de nós, podemos nos mostrar disponíveis e, como Jesus Cristo, usar de misericórdia. O escriba quis discutir sobre o "próximo" de modo geral, mas Jesus forçou-o a considerar um homem específico em necessidade. Como é fácil falar de ideais abstratos e deixar de resolver problemas concretos! Podemos discutir coisas como "pobreza" e "oportunidades de trabalho" e, ainda assim, jamais auxiliar pessoalmente a alimentar uma família com fome nem ajudar alguém a arrumar emprego. |
É claro, o escriba queria manter a discussão em nível complexo e filosófico, mas Jesus tornou-a simples e prática. Mudou o tópico do dever para o do amor, o debate para a ação. Com certeza, o Senhor não estava condenando debates e discussões, mas só alertando contra o uso de desculpas para não fazer nada. Eleger uma comissão para resolver um assunto nem sempre resolve! Uma de minhas histórias prediletas sobre D. L. Moody ilustra essa ideia. Quando Moody participava de um congresso em Indianápolis, nos Estados Unidos, pediu ao cantor Ira Sankey que se encontrasse com ele às 6 da tarde em determinada esquina da cidade. Quando Sankey chegou, Moody pediu-lhe para subir em um caixote e cantar, e logo um grupo ajuntou-se a seu redor. Moody disse apenas algumas palavras, convidando os interessados a segui-lo até um teatro próximo. O auditório não demorou a lotar, e o evangelista pregou o evangelho para aquela gente espiritualmente faminta. Quando os participantes do congresso começaram a chegar, Moody interrompeu a pregação e disse: "Precisamos encerrar nossa mensagem, pois os irmãos participantes do congresso vão ter um painel de discussão sobre 'Como Alcançar o Povo"'. Touché! É possível ler essa passagem e pensar apenas no "alto preço de se importar com o semelhante", mas esse preço é muito mais alto se não nos importarmos. O sacerdote e o levita perderam muito mais com sua negligência do que o samaritano com sua preocupação. Perderam a oportunidade de aprimorar seu caráter e de ser bons mordomos do que Deus lhes dera. Poderiam ter sido uma boa influência num mundo mau, mas escolheram ser um péssimo exemplo. Esse único gesto de misericórdia do samaritano tem inspirado o ministério assistencial em todo o mundo. Jamais se deve considerar tal ministério um desperdício! Deus nunca permite que um ato de serviço feito com amor e em nome de Cristo se perca. Tudo depende da maneira de encarar a situação. Para os ladrões, o viajante judeu era uma vítima a ser explorada, de modo que o atacaram. Para o sacerdote e o levita, era um incômodo a ser evitado, de modo que o ignoraram. Mas para o samaritano, era alguém necessitando de amor e de ajuda, de modo que cuidou dele. Hoje, Jesus diz o mesmo que falou ao escriba: "Vá e proceda continuamente de igual modo" (tradução literal). H. T. Sell, em sua introdução sobre essa narrativa que pertence a todos os tempos, referiu-se a ela como "fábula, maravilhosa e verdadeira, em todas as épocas e climas. As circunstâncias nas quais foi estabelecida, os tipos humanos que apresentava, a situação a que aludia, tudo isso é encontrado na história de todos os tipos de homens e quaisquer que sejam as situações em que se encontrem. Ao deixar completamente à parte a sua importância moral, e considerá-la apenas narrativa, nunca se tornará sem sabor, antiquada, e nunca envelhecerá. Tudo isso, simplesmente, porque é composta dos elementos da verdade eterna e, de forma clássica, resume toda a administração da conduta humana". Há escritores que dizem que o que temos nesse trecho não é exatamente uma parábola. A forma de representação por meio de figuras não é como nas parábolas que já analisamos, as quais usam de simbolismo, mas simplesmente expõem um exemplo concreto. O ponto de vista de Goebel, que Salmond menciona, é o seguinte: "Temos aqui a primeira parábola representativa que faz contraste com as simbólicas, porque ilustra o seu ponto, e não usa de símbolos, como a maioria das outras parábolas de Jesus, mas simplesmente utiliza exemplos". Cristo não usou símbolos, tomados da natureza ou dos costumes, mas a partir de acontecimentos reais. Cremos também que a narrativa fora adotada por Jesus, para manifestar uma verdade específica. Concordamos com Lang, quando ele diz que é "uma das parábolas mais grandiosas e representativas do nosso Senhor. É tão simples que até uma criança pode captar o seu significado; no entanto é, na verdade, um tratado de ética prática mais profundo e mais poderoso em seus efeitos do que qualquer outro no mundo [...] Estamos tão familiarizados com essa parábola, que não enxergamos a grandiosidade da sua combinação de simplicidade e profundidade, e também a grandiosidade do apelo que tem sobre nós". Descobriremos que não há uma analogia espiritual para cada imagem na narrativa. O quadro todo é simplesmente um exemplo para ilustrar o agir da benevolência, em contraste com o egoísmo. A conversa de Jesus com o doutor da lei, diálogo esse que deu origem à parábola, não deve ser confundida com o contato que ele teve com outro doutor da lei (Mateus 19:16, Marcos 12:28-34, Lucas 18:18). Na ocasião, aparentemente paralela, em Marcos 12:28-34, o nosso Senhor juntou duas passagens famosas do AT quando deu a resposta à pergunta do escriba (Deuteronômio 6:4, Levítico 19:18), e Straton diz que "Lucas começa a sua narrativa onde Marcos terminou". Mas o doutor da lei, nessa parábola, fez mais perguntas do que o seu companheiro escriba. "Por uma questão de lógica", diz Arnot, "essa parábola pode muito bem ser combinada com a do Credor incompassivo. Formam um par; essa última nos ensina a perdoar o que nos ofende, e a que analisamos agora nos ensina a ajudar o que foi ofendido" A narrativa no grego começa com o vocábulo idoú. Quando esse termo é traduzido como "eis que" (expressão omitida em alguns traduções), nas Escrituras, devemos estar atentos; "ele mostra que devemos dar uma atenção especial ao que vem em seguida, como contendo verdades nem sempre aparentes na superfície; porém, que requerem uma investigação cuidadosa, e meditação com oração, verdades que devem ser descobertas como se busca um tesouro escondido". Devemos compreender que, quando Jesus mostrou a falta de coração do sacerdote e do levita e, por outro lado, o comportamento correto do samaritano, ele não disse que todos os líderes religiosos eram cruéis e nem que todos os samaritanos tinham coração terno. Não há dúvida de que havia sacerdotes e levitas bondosos; por outro lado, havia muitos samaritanos maldosos. Alguns deles não permitiram que Jesus e os seus discípulos passassem a noite em suas vilas, quando estavam cansados e precisavam de alívio (Lucas 9:53). E foi o levita Barnabé, chamado Filho da Consolação, que vendeu tudo o qual tinha para ajudar os irmãos mais pobres Atos 4:36. A parábola de Cristo foi endereçada a um judeu e elaborada dessa forma, como nos lembra Arnot, "para desferir um só golpe nos dois pilares, sobre os quais a vida vazia do judeu daqueles dias se apoiava". Eles confiavam em si mesmos, consideravam-se justos e desprezavam os outros. Jesus não fazia qualquer distinção de pessoas; portanto, não deixaria passar despercebida a bondade de um, nem apoiaria a crueldade do outro. Portanto, ele elaborou essa parábola para humilhar a confiança que o doutor da lei tinha em seu próprio senso de justiça, por ter nascido judeu e, ao mesmo tempo resgatar o samaritano da posição de mau, que estava aos olhos do doutor da lei, e exaltá-lo por sua compaixão. Da mesma forma que aquele samaritano ferido de lepra, que fora o único dos dez curados (os outros nove eram judeus), também esse da nossa parábola louvou ao Senhor pela sua cura. Aqui a narrativa nos apresenta um samaritano mais benevolente para com o necessitado do que as outras personagens, e as expressões de sua compaixão, cheia de atenção, foram mencionadas por Jesus. Ele nos dá aqui uma bela imagem, em alto relevo, da bondade do samaritano. "Ele veio até onde ele estava, teve compaixão, atou-lhe as feridas ao derramar azeite e vinho sobre elas, colocou-o sobre o seu próprio animal, levou-o até a uma hospedaria, e cuidou dele. De manhã, ao partir, tomou dois denários e os deu ao hospedeiro, e lhe disse: 'Cuida dele, e tudo o que de mais gastares com ele eu te pagarei quando voltar'. |
A descrição de como Cristo interpretou parabolicamente a fraternidade dos homens, demonstrada na caridade com relação aos necessitados de ajuda, foi resumida; mas, ao mesmo tempo, abrangente. O sacerdote e o levita passaram pelo homem semimorto, mas o bom samaritano foi até ele e, ao ver o seu corpo espancado, machucado, teve compaixão e prestou-lhe socorro rápido e eficaz. O bom samaritano fora sábio com relação à sua viagem através de uma região hostil, e incluíra em sua bagagem atadur as, azeite e vinho. O , azeite era bastante usado pelos antigos como remédio, no uso externo, para aliviar a dor de ferimentos abertos (Isaías 1:6). O vinhotambém era utilizado como medicamento, para ser aplicado externamente em ferimentos e machucados. Após limpar os cortes e estancar o sangue, o alívio que o homem realmente precisava, o bom samaritano continuou incansavelmente a prestar-lhe ajuda. Ele o levantou semimorto e colocou-o sobre o seu próprio animal. Não há referência às mulas do sacerdote ou do levita, uma vez que não havia razão de mencioná-las. O bom samaritano renunciou ao seu próprio animal e foi a pé, a fim de conduzir o ferido até uma hospedaria na estrada. Passou a noite ali, com o viajante que resgatara; pagou para que fosse cuidado; e prometeu voltar e reembolsar ao hospedeiro as demais despesas de comida e abrigo para o homem debilitado. Seria de esperar que o trio da narrativa fossem o sacerdote, o levita e o judeu, ou israelita; porém a substituição por um samaritano foi um toque de mestre, e Jesus, após concluir a sua parábola, fez uma pergunta direta ao doutor da lei que interrogara: "E quem é o meu próximo?" Na verdade Cristo devolveu a pergunta ao doutor da lei, ao forçá-lo a decidir quem era o verdadeiro próximo do homem que caíra nas mãos dos ladrões. O que mais ele poderia dizer além de: "O que usou de misericórdia para com ele"? Jesus então fez a correta aplicação: "Vai, faze da mesma maneira" que, na verdade, significa: "Tu também da mesma maneira mostra misericórdia, e também tornar-te-ás, com esse procedimento, o próximo daquele a quem mostraste misericórdia". A continuação da parábola e o seu ensinamento em essência foram para mostrar que o mandamento divino de amarmos o nosso próximo como a nós mesmos é cumprido quando nos empenhamos constantemente em ajudar o necessitado, sem perguntar primeiro quem ele é, e qual é a posição dele em relação a nós. O samaritano provou ser verdadeiramente um próximo, porque esse sentimento revela-se através da misericórdia. O princípio fundamental de conduta humana, de filosofia de vida, que essa parábola contém para nós é a mesma pergunta que o doutor da lei fez: "E quem é o meu próximo?" Como podemos distinguir quem é o nosso próximo? Cosmo Lang diz: "Tenha um espírito que vise sempre o interesse do próximo, e então cada pessoa será o seu próximo". Alguém que precisa de nós, é o nosso próximo, não importa o seu grupo étnico ou religioso. "O verdadeiro sentimento, de ser o próximo, não é uma questão de proximidade física, de local, mas de amor". A verdadeira pergunta não é tanto: "Quem é o meu próximo", mas "Eu sou um próximo, verdadeiramente?" Achamos que os nossos próximos são os que moram do nosso lado. Mas, tanto nós como eles, podemos agir de maneira extremamente inversa ao verdadeiro sentimento de sermos próximos uns dos outros, e achamos mais fácil amar e ajudar os que estão distantes, do que os que estão perto de nós. E no entanto esses são os nossos próximos. No AT, no decorrer da Páscoa havia a seguinte determinação: "Mas se a família for pequena para um cordeiro, então convidará ele o seu vizinho mais próximo, conforme o número das pessoas" (Êxodo 12:4). Habershon diz: "O nosso próximo é aquele com quem podemos dividir o Cordeiro. Temos próximos de ambos os lados: os que são salvos e os que não o são; aqueles a quem podemos oferecer ajuda no tempo da aflição e aqueles com quem podemos manter comunhão" Mas o ensinamento da parábola de nosso Senhor é que "estar próximo fisicamente não faz de ninguém um próximo no sentimento", como Butterick. "O sacerdote e o levita estavam próximos quanto ao grupo étnico e ao seu trabalho, e o samaritano, quanto ao seu grupo étnico e ao seu trabalho, estava bem distante. As pessoas podem morar perto umas das outras, separadas apenas por uma estreita parede e, apesar disso, não serem próximas umas das outras. As pessoas podem morar sem separação entre si e ainda não serem próximas umas das outras. Somente os olhos e o espírito do samaritano conseguem a atitude correta de ser próximo". A medida que caminhamos nessa vida, e casualmente nos deparamos com os que, desesperada e urgentemente, precisam de ajuda (espiritual, física e material), esses são os nossos próximos, e esses são os que o próprio Bom Samaritano deseja que ajudemos. Uma palavra final se faz necessária com relação às várias aplicações dessa parábola. Na parte introdutória, que chamamos de Os erros e acertos da interpretação de parábolas, mencionamos como Agostinho lidou com essa parábola de forma tão fantasiosa, maneira essa que foi, até certo ponto, ampliada por Keach. Mas, ao deixar de lado as alegóricas interpretações forçadas, existe uma aplicaçãolegítima para a parábola. Porventura não considerou Deus a humanidade o seu próximo? Ao perceber um mundo de pecadores desprovidos de sua verdadeira natureza, destituídos de ideais divinos, feridos pelos pecados, e incapazes de se levantar, o Verbo se fez carne, habitou entre nós, e deu ao mundo um exemplo equivalente ao do misericordioso samaritano no que se refere ao agir. Por meio de sua morte e ressurreição, Cristo veste a nossa nudez, ata as nossas feridas e as cura com o bálsamo extraído de seu próprio coração partido. Ainda mais, ele nos coloca num lugar seguro, supre as nossas necessidades e prometeu voltar e levar-nos para si mesmo. Essa parábola é, dessa forma, radiante da beleza do evangelho de Cristo que, em sua vida e morte, cumpriu todas as características apresentadas por ela. |