SOBRE BOLSILIVRO

 

O Pistoleiro que Veio de Longe: Desvendando o Universo do Faroeste e dos Bolsilivros

O faroeste, ou "bang-bang", como ficou carinhosamente conhecido no Brasil, é mais do que um gênero; é um universo mitológico que moldou a identidade cultural americana e fascinou gerações ao redor do mundo. No Brasil, esse fascínio encontrou um formato perfeito nos bolsilivros das décadas de 1970 e 80, publicações baratas e de consumo rápido que levavam aventuras de cowboys e pistoleiros a todos os cantos do país. Para explorar esse fenômeno, mergulhamos na criação de uma obra fictícia, "O Pistoleiro que Veio de Longe", de um autor igualmente fictício, Vanildizar Silva, desvendando os elementos que tornaram esse estilo tão icônico.

O cowboy solitário, silhueta contra o vasto horizonte do Oeste, é uma das imagens mais duradouras do gênero faroeste

A Capa: A Arte que Vende a Aventura

Antes mesmo da primeira página, a identidade de um bolsilivro de faroeste era selada por sua capa. Com ilustrações vibrantes e dramáticas, no estilo da arte *pulp*, essas capas eram projetadas para capturar o olhar e prometer ação imediata. Cores fortes, cenas de tiroteio, mocinhas em perigo e heróis de queixo quadrado eram a norma. O objetivo era claro: transmitir a essência da aventura em uma única imagem.

A capa de "O Pistoleiro que Veio de Longe" seguiria essa tradição. O título em letras garrafais e impactantes, o nome do autor em destaque e uma cena de ação que resume o conflito central da trama. A arte não precisava ser refinada, mas sim energética e evocativa, um convite irresistível para o leitor mergulhar na história.

Capa de um bolsilivro de faroeste antigo.
Uma capa de revista pulp western vintage, com cores vibrantes e uma cena de ação dramática, exemplificando o estilo que inspirou os bolsilivros brasileiros

O Gênero Faroeste: Mito e Realidade do Velho Oeste

O faroeste se baseia em um período específico da história americana, mas o transforma em um palco para mitos universais de heroísmo, justiça e redenção. Para entender a ficção, é preciso conhecer um pouco da história que a inspirou.

A Fronteira Americana: Um Período Histórico

O "Velho Oeste" refere-se principalmente à segunda metade do século XIX, um período de intensa expansão territorial dos Estados Unidos para o oeste do rio Mississippi. Impulsionada por ideologias como o "Destino Manifesto", essa era foi marcada pela colonização de vastas terras, a construção de ferrovias transcontinentais e a busca por riqueza através da mineração e da pecuária . Historiadores como Frederick Jackson Turner argumentaram que essa "fronteira" foi fundamental para forjar o caráter americano, valorizando o individualismo, a democracia e a autossuficiência.

Desmistificando Hollywood: A Vida Real no Oeste

A imagem popular do Velho Oeste, repleta de duelos ao meio-dia e tiroteios constantes, é em grande parte uma criação de Hollywood. A realidade era, em muitos aspectos, mais tranquila. As cidades eram, em sua maioria, centros comerciais pacíficos para agricultores e rancheiros. Embora os *saloons* fossem de fato locais de jogo, bebida e, ocasionalmente, brigas, os famosos duelos eram muito mais raros do que o cinema sugere.

"Para se ter uma ideia, o ano recordista em duelos foi 1878, quando só no Texas e no Kansas aconteceram 36 confrontos, causando cerca de 50 mortes. [...] Havia cidades com atividades ligadas a gado e ferrovias que já tinham uma história de violência e atraíam jogadores, vaqueiros, prostitutas, trapaceiros e aventureiros em geral, numa mistura volátil. Mas eram exceção." - Superinteressante.

As armas, como o revólver Colt .45, apelidado de "Peacemaker" (Pacificador), e o rifle Winchester '73, eram comuns, mas os confrontos geralmente ocorriam de forma súbita e a curta distância, não como os duelos ritualizados dos filmes.

O Conflito com os Povos Nativos

A expansão para o Oeste teve um custo humano trágico. A marcha dos colonos resultou no extermínio de diversas nações indígenas e na expulsão de muitas outras de suas terras ancestrais . Conflitos violentos, conhecidos como as Guerras Indígenas, foram uma constante, à medida que o Exército dos EUA era encarregado de proteger os colonos e os interesses das ferrovias. Essa é a face sombria da fronteira, muitas vezes simplificada ou ignorada nas narrativas heroicas do faroeste clássico.

A chegada da ferrovia simbolizou o "progresso" e a expansão, mas também intensificou os conflitos por terra com os povos nativos

O "Bolsilivro" no Brasil: O Faroeste de Bolso

Enquanto o cinema solidificava a mitologia do faroeste, a literatura popular encontrou um nicho poderoso no Brasil através dos bolsilivros. Essas pequenas publicações foram a porta de entrada para muitos leitores no universo da ficção.Os primeiros livros de bolso publicados no país foram da "Coleção Globo" da Livraria do Globo, lançados em 1933, os livros mediam 11 x 16 cm. Em 1956, a Editora Monterrey lançou a série de faroeste pulp O Coyote de José Mallorquí.


No final da década de 1930, a editora de histórias em quadrinhos "Grandes Consórcio de Suplementos Nacionais" de Adolfo Aizen, lançou a "Biblioteca Mirim" para publicar os chamado Big Little Books, um tipo de livro ilustrado geralmente impresso no formato 9,2 cm de largura e 11,43 centimetros de altura, logo o formato foi copiado pelo jornal O Globo de Roberto Marinho, que lançou a "Coleção Gibi", os Big Little Books ficaram conhecidos como "tijolinhos".


Além dos formatos tradicionais, são publicados formatos diferentes como a série de livros de espionagem Brigitte Montfort (1965 - 1992) da própria Monterrey, que foi publicada no formato 10 x 15 cm. A série de livros de ficção científica alemã Perry Rhodan foi publicada Tecnoprint nos formatos 10,5 x 16 cm e 11,5 x 18 cm e no formato chamado pela editora de superbolso (12 x 21 cm).




A editora paulista Prelúdio, inovou ao trocar o formato tradicional dos folhetos de cordel, de 11 x 16 cm por 13,5 xc 18 cm, além de substituir as capas em xilogravura, por capas em policromia.

Em 1971, foi lançada a editora Edibolso, um consórcio liderado pela Editora Abril.[18]


Atualmente, os livros de bolso podem ser encontrados em diversas editoras, como a L&PM (Coleção Pocket), a Martin Claret, Paz e Terra (Coleção Leitura), Companhia das Letras (Companhia de Bolso), Editora Objetiva (Ponto de Leitura) entre outras.[19][20][21] A Editora Paz e Terra iniciou a publicação de livros de bolso em 1995 e inicialmente imprimia seus livros em papel-jornal. Nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, há algumas estações de metrô que disponibilizam máquinas de livros de bolso, que normalmente têm um preço bastante acessível.


O brasileiro Ryoki Inoue é o recordista no Guinness Book como o autor com o maior número de livros publicados no formato. Escreveu 999 livros de bolso em seis anos, entre histórias de faroeste, guerra, policiais, espionagem, romance e ficção científica.

Um Fenômeno Editorial de Massa

Nas décadas de 1970 e 80, os bolsilivros se tornaram um fenômeno de vendas, com algumas coleções chegando a vender 70 mil exemplares por mês . Impressos em papel-jornal e vendidos a baixo custo em bancas, eles eram acessíveis e descartáveis, focados no entretenimento rápido. O público era predominantemente masculino, e as histórias de faroeste, com seus "romances de mocinho", eram um dos carros-chefe .

A Estrutura da Narrativa "Bang-Bang"

As histórias dos bolsilivros de faroeste seguiam uma fórmula eficaz. As personagens eram construídas de forma rígida, sem grandes desenvolvimentos psicológicos: o herói era incorruptível, e o vilão, puramente mau. A trama era movida pela ação, com uma sucessão de desafios que o protagonista superava para confirmar sua identidade heroica . O foco não estava na complexidade, mas na repetição de um modelo que garantia a satisfação do leitor, ávido por justiça e aventura.

"O Pistoleiro que Veio de Longe": Uma Amostra do Gênero

Para materializar essa análise, apresentamos uma sinopse e o primeiro capítulo do nosso livro fictício, criado nos moldes dos clássicos bolsilivros.

Sinopse

Um forasteiro sem nome, conhecido apenas como "Silas", chega à poeirenta cidade de Red Creek, um lugar dominado pelo barão do gado corrupto, Jedediah Kane, e seu bando de capangas. Silas não busca problemas, apenas um lugar para descansar seu cavalo cansado. Mas quando Kane tenta tomar as terras da viúva Elena e de seu filho pequeno, Silas se vê forçado a desenterrar um passado violento que jurou abandonar. Com seu Colt .45 e um senso de justiça implacável, o pistoleiro que veio de longe se torna a única esperança de Red Creek contra a tirania de Kane, em um confronto onde cada bala conta uma história.

Capítulo 1: Poeira e Desconfiança

O sol do meio-dia castigava a rua principal de Red Creek como uma bigorna incandescente. A poeira vermelha, fina e sufocante, levantava-se com a brisa quente, cobrindo tudo com uma camada de desolação. Foi nesse cenário que ele surgiu, uma silhueta escura contra o brilho ofuscante do horizonte. Montado num cavalo negro como a noite, o homem avançava sem pressa, os olhos semicerrados, varrendo cada janela e cada beco escuro.

Ele não usava as roupas vistosas de um *dandy* nem os trapos de um mendigo. Vestia calças de lona, uma camisa de algodão gasta e um colete de couro escuro. Na cintura, baixo e amarrado à coxa, repousava um revólver com cabo de osso, a arma parecendo uma extensão de seu próprio corpo. O chapéu de abas largas projetava uma sombra sobre seu rosto, ocultando sua expressão, mas não a tensão em sua mandíbula.

Ao passar pelo *saloon*, as conversas cessaram. Homens que se julgavam valentes desviaram o olhar. Havia algo no forasteiro, uma quietude perigosa, que anunciava problemas. Ele desmontou em frente ao estábulo, o movimento fluido e econômico. Entregou as rédeas ao velho encarregado, um homem de ombros caídos e olhar derrotado.

— Cuide bem dele — disse o pistoleiro, a voz um cascalho seco. — Água e o melhor feno que tiver.

Ele jogou uma moeda de prata, que brilhou no ar antes de cair na mão trêmula do velho. Sem esperar agradecimento, virou-se e caminhou em direção ao *saloon*. A cada passo, as esporas tilintavam, um som metálico e solitário que quebrava o silêncio pesado da cidade. As portas do *saloon* se abriram com um rangido, e o pistoleiro desapareceu na penumbra. Red Creek prendia a respiração. A tempestade havia chegado.

Construindo o Pistoleiro: Arquétipo e Habilidades

O protagonista do faroeste, o pistoleiro, é um arquétipo poderoso. Ele é a personificação da fronteira: individualista, habilidoso e vivendo sob seu próprio código moral.

O Herói Solitário e seu Código de Honra

O pistoleiro é frequentemente um homem com um passado misterioso, um forasteiro que chega a uma comunidade em crise. Ele não busca glória, mas é compelido a agir pela injustiça. Seu gesto de sacar o revólver não é apenas um ato de violência, mas um "argumento" que legitima sua existência e seu propósito naquele ambiente hostil, como aponta a análise de Roland Barthes sobre figuras semelhantes . Ele é o agente do caos que, paradoxalmente, restaura a ordem.

As Ferramentas do Ofício: A Arma e a Bravata

A habilidade com armas de fogo é a característica definidora do pistoleiro. Ele é um mestre em sua arte, capaz de feitos extraordinários. Inspirando-nos em sistemas que buscam codificar essas habilidades, como os de jogos de RPG, podemos delinear as "façanhas" que compõem a lenda de um pistoleiro:

  • Tiro Letal: A capacidade de concentrar toda a sua perícia em um único disparo devastador, mirando em pontos vitais para encerrar um confronto rapidamente.
  • Esquiva Frenética: Uma agilidade sobrenatural que lhe permite desviar de ataques em um tiroteio, transformando a defesa em uma dança mortal.
  • Tiro de Aviso: O uso calculado da arma não para matar, mas para intimidar, errando um tiro de propósito para desmoralizar um oponente.
  • Coronhada: Quando a distância se encurta, a arma de fogo se torna uma arma de impacto, usada com a mesma eficiência de um soco ou porrete.

Essas habilidades, descritas em fontes como o guia da classe "Pistoleiro" para D&D 5e, ilustram perfeitamente os tropos literários do gênero, onde o herói demonstra um controle e uma criatividade com suas armas que o elevam acima dos homens comuns .

O Legado do Faroeste: Reinvenções e Releituras Modernas

Embora a era de ouro do faroeste clássico tenha passado, o gênero continua vivo, reinventando-se para dialogar com o público contemporâneo. Produções recentes buscam desconstruir os clichês e oferecer novas perspectivas.

Minisséries como "Godless" (Netflix) subvertem a tradição ao colocar mulheres fortes no centro da narrativa, assumindo o controle de uma cidade após a morte de quase todos os homens . Filmes como "Ataque dos Cães" utilizam o cenário do Oeste para explorar dramas psicológicos complexos sobre masculinidade e poder, enquanto "Assassinos da Lua das Flores" usa o gênero para contar uma trágica história real de ganância e exploração contra a nação Osage . Essas obras mostram que as paisagens áridas do Oeste ainda são um terreno fértil para explorar a condição humana.

Conclusão: A Poeira que Nunca Assenta

"O Pistoleiro que Veio de Longe", embora uma ficção, representa um tributo a uma forma de contar histórias que marcou época. Os bolsilivros de faroeste foram mais do que simples entretenimento; eles foram um veículo para mitos de coragem, justiça e individualismo que ressoam até hoje. Ao desvendar a história por trás do mito, a fórmula por trás da narrativa e o legado que perdura, percebemos que a poeira do Velho Oeste, levantada por heróis solitários e suas aventuras, nunca assenta de verdade. Ela apenas se transforma, continuando a inspirar novas histórias na fronteira infinita da imaginação.

参考资料

[1]
Velho Oeste – Wikipédia, a enciclopédia livre
https://pt.wikipedia.org/wiki/Velho_Oeste
[2]
O que foi a marcha para o oeste nos Estados Unidos? - Brasil Escola
https://brasilescola.uol.com.br/o-que-e/historia/o-que-foi-marcha-para-oeste-nos-estados-unidos.htm
[4]
[PDF] Um estudo panorâmico dos bolsilivros produzidos para o público ...
https://www.e-publicacoes.uerj.br/soletras/article/download/52914/34948/185934
[6]
[PDF] A Estrutura Mítica do Faroeste Clássico e sua Problematização ao ...
https://www.e-publicacoes.uerj.br/logos/article/download/56413/41620/232897
[7]
Pistoleiro | Class Features | Dungeons & Dragons 5e - World Anvil
https://www.worldanvil.com/block/120389
[9]
Melhores filmes de faroeste: 10 clássicos e modernos para assistir já!
https://www.zoom.com.br/tv/deumzoom/10-melhores-filmes-de-faroeste-para-assistir-agora

Comentários