AMIR HADDAD(TEATROLOGO ATOR)

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Amir Haddad
Com José Celso Martinez Corrêa, Renato Borghi e outros criou em 1958 o Teatro Oficina — ainda em atividade com o nome de Uzyna Uzona. Nesse grupo, Amir dirigiu Candida, de George Bernard Shaw; atuou em A Ponte, de Carlos Queiróz Telles, e em Vento Forte para Papagaio Subir, de José Celso Martinez Corrêa (1958). Em 1959, dirigiu A Incubadeira e ganhou prêmio de melhor direção. Deixou o Oficina em 1960.
Em 1965, mudou-se para o Rio de Janeiro para assumir a direção do Teatro da Universidade Católica do Rio.

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Fundou, em 1980, os grupos "A Comunidade" (vencedor do Prêmio Molière pelo espetáculo A Construção) e o "Tá na Rua".
Amir não deixou de realizar projetos mais convencionais como O Mercador de Veneza, de Shakespeare (com Maria Padilha e Pedro Paulo Rangel) e os shows de Ney Matogrosso e Beto Guedes.
Com microfone na mão, Amir coordena uma trupe de atores pelas ruas e praças.
Atualmente Amir dirige a peça As Meninas de Luiz Carlos Goes e Maitê Proença, baseado no livro Uma Vida Inventada de 2009.
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Leia toda a entrevista exclusiva concedida a “O Jornal” pelo renomado teatrólogo brasileiro Amir Haddad durante a sua última passagem pelo Espírito Santo.
Qual o contexto vivenciado hoje pelo teatro de rua no Brasil?
Haddad – É muito raro alguém apresentar essa preocupação com o que acontece com o teatro de rua. Não é comum, apesar de o teatro de rua ser uma coisa muito antiga, antiga mesmo, ancestral. Mas, ao mesmo tempo, é uma coisa muito nova também. Nem pela antiguidade, nem pela extrema novidade é uma coisa que faz com que um jornalista se interesse por isso e que busque entender qual é o problema. Isto é tão complicado e difícil que, recentemente, nós estamos numa briga com o prefeito da cidade do Rio de Janeiro, com a Guarda Municipal e com a Secretaria de Cultura do município porque eles resolveram “sanear” a cidade, uma coisa meio fascista. Estão “passando o rodo” na cidade e limpando tudo, jogando tudo para o esgoto. O Brasil tem dessas coisas: faz para melhorar e aqueles que estavam em má situação são jogados no esgoto. Acontece que começaram a levar de roldão o teatro de rua também, as pessoas que estavam lá trabalhando. Eu digo isso porque o teatro de rua não é uma preocupação nem da imprensa, nem dos governos, nem das políticas públicas. Não é uma questão para o povo brasileiro através dos seus representantes. É uma questão para o povo brasileiro através do encontro que ele tem na rua com as pessoas que fazem teatro. O teatro de rua não é uma realidade na cabeça dos governantes, não é uma realidade na cabeça daqueles que estabelecem políticas públicas nessa área. Não é tratado nem como arte. Eles reconhecem o teatro das salas italianas como uma forma de expressão legítima e que tem o seu espaço, o espaço que a sociedade dedica a eles e onde eles podem se exibir. Agora, uma coisa que não se apresenta nesse espaço não é considerada, porque a sociedade
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 burguesa gosta de cada coisa no seu lugar. Se não está naquele lugar, essa coisa não existe. Vendo por esse lado, o teatro de rua no Brasil não existe, porque não existem políticas para contemplar esta manifestação emergente, de baixo para cima, de fora para dentro e muito antiga, mas muito nova também, já que começa a aflorar fortemente quando os valores da sociedade começam a ficar absolutamente inoperantes e novos valores precisam aparecer para apontar pro futuro. Portanto, formalmente, o teatro de rua não existe porque o poder público não reconhece, a própria imprensa não reconhece. Você mobiliza as pessoas para assistirem a um espetáculo seu na praça e elas não vão. Amigos meus não vão (risos). Não vão porque eles me perguntam: “a que horas vocês começam mesmo? Às nove?”, que é o horário habitual do teatro noturno. Então, eu estou dizendo isso porque o teatro de rua também não existe para essas pessoas. Agora, é impressionante, uma vez que é uma coisa muito forte que vem pelo mundo inteiro, tem muita gente fazendo, é uma tendência, uma possibilidade para o futuro. No Brasil, já existem grupos de teatro de rua para todos os lados, até uma cidadezinha pequenininha do Espírito Santo chamada Anchieta tem lá grupo de teatro de rua. Em todo lugar, de alguma maneira, está acontecendo. É uma emergência.
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Então, no Brasil, as iniciativas em torno do teatro de rua são feitas de maneiras pontuais e não pensadas em um conjunto, em um movimento uniforme?
Haddad – Não, justamente porque não há uma política pública especialmente voltada para isso. Nós estamos trabalhando muito para formar o movimento do teatro de rua. A internet permite esse encontro, esse entrelaçamento e essa troca de informações. Quando eu comecei a fazer teatro de rua, há trinta anos, o meu grupo era praticamente o único. Existiam outros começando nesse período, entre o final da década de 70 e o início dos anos 80. Hoje, é muita gente fazendo teatro de rua, mas não o suficiente para cativar um político que queira conquistar este eleitorado. E muitas vezes você vê uma atividade
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 extremamente colonizadora das agências patrocinadoras de teatro de tentar fazer com que as pessoas que fazem o teatro de rua sejam orientadas no sentido que as afastem da rua. Então, por exemplo, nessa situação do Rio de Janeiro, há um decreto do prefeito, Eduardo Paes, no qual ele expressa o que deve ser feito para um grupo de teatro se apresentar nas ruas da cidade. Ele enquadra artisticamente, eticamente, criando um modelo de teatro que a sociedade mais reacionária entenda. Se você cumpre o decreto, você estará fazendo o “teatro de rua”, mas não é o teatro de rua. Apesar disso tudo, tem muita gente fazendo teatro de rua, mas não há um movimento em si, embora nós estejamos trabalhando para isso. Como eu disse, é uma grande tendência. Tem muita gente fazendo coisa boa, tem gente fazendo coisas medíocres, tem gente que faz na rua porque não tem outro lugar para fazer. Os editais [para financiamento de espetáculos] orientam para o passado. Quer queira, quer não, os editais têm um conteúdo ideológico muito forte e se você obedece a eles, eles te jogam para trás e o teatro de rua sofre com isso.
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Como as novas tecnologias podem servir de auxiliar à divulgação do teatro de rua e da arte como um todo?
Haddad – Há muitas possibilidades. No teatro de rua, cada grupo segue uma tendência. No teatro de palco é quase tudo igual. É raro surgir algo que se chame de vanguarda. Já no teatro de rua não existe um modelo. Na verdade, não existe nenhuma teoria a respeito do teatro de rua, então cada um faz o que quiser. É claro que existem grupos europeus que têm muito dinheiro e utilizam tudo quanto é recurso tecnológico para a montagem de seus espetáculos.
Agora, pensando especificamente no avanço das tecnologias da informação, quais os benefícios que podem ser extraídos da internet para o teatro de rua?
Haddad – Pode ajudar minimamente. O Youtube, por exemplo, pode ajudar para divulgar o espetáculo, para ajudar a fazer o escândalo com uma imagem inusitada de um ator na rua e todo mundo olha e diz: “olha que engraçado, um cara pelado dando cambalhota”. No entanto, substancialmente não ajuda em nada porque a natureza deste meio de comunicação é totalmente diferente 
images (2)do teatro de rua. O tetro de rua é uma atividade de contato direto com a população. É mais ou menos aquilo que os ufólogos chamam de “contato imediato de terceiro grau”. Enquanto o teatro das salas italianas passa por cima, a gente baixa a nave e entra em contato. Nós, os extraterrestres,
 descemos da nave e vamos lá falar com os terráqueos e até abduzimos algumas pessoas (risos). Então, nesse sentido, eu não acho que esses avanços possam ajudar na essência. Tem um negócio na internet agora chamado Facebook e alguém colocou lá algo como “receba passes do Amir Haddad”. Aí o cara clica e aparece uma frase minha. E as minhas frases são genéricas, falam de tudo, do mundo. Tem uma que faz muito sucesso que é: “dar não dói, o que dói é resistir”. E tem uns caras que dizem: “pô, essa foi pra mim” e sai satisfeito (risos). Mas essa coisa da rua, do meu encontro com a população, esse exercício da possibilidade humana de se relacionar diretamente um com o outro, sem nenhum anteparo, sem nenhum recurso técnico, sem nenhuma luz artificial, isso não dá para ser substituído por avanço tecnológico nenhum. Aliás, esses avanços talvez ajudem muito a comunicar determinadas coisas, mas não ajuda muito a humanidade a se comunicar. Se fossem usados para o desenvolvimento humano, espiritual, nós certamente estaríamos em um mundo muito melhor. Não teríamos uma sociedade tão violenta, tão anterior a isso. Por que isso não tudo não foi feito para reduzir as injustiças sociais, a segregação, os assassinatos? A cidade do Rio de Janeiro, mais uma vez como exemplo, é uma cidade que mata a sua população, que tira o teatro das ruas. Por que? Para que? Toda essa “limpeza” em nome do que? Da tecnologia? Da modernidade? Então, eu não levo muito a sério isso não. Eu penso que, enquanto não melhorar a vida dos cidadãos, eu não entendo para que serve.
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Ainda um pouco sobre essa questão, com o contato que temos cotidianamente com outras culturas de outras sociedades, ainda é possível falar em tentativas de se estabelecer uma cultura hegemônica, marginalizando manifestações que são oficialmente vistas como fora dos padrões?
Haddad – Certamente. Esse bombardeio de informações, por exemplo. Você liga a TV de manhã. Todos estão dando as mesmas notícias: as notícias que interessam ao poder estabelecido. Quem escolhe o que você vai saber são as agências de notícias e todas elas estão diretamente amarradas aos governos, ao poder, ao grande capital e a quem interessa. Tanta coisa acontece no mundo, mas a orientação das notícias é voltada para um único
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 sentido. A informação é claramente manipulada. Não existe liberdade. Essa conquista demora, o homem ainda vai estabelecer e não sei se é a tecnologia que será a principal impulsionadora desse movimento. Portanto, a marginalização é total com essas informações orientadas ideologicamente, com objetivos claros de controle das mentes e dos corações, isso começa a determinar o que é moda e o que não é. É muito difícil encontrar espaço nos jornais do Rio de Janeiro ou mesmo de São Paulo para a divulgação das notícias culturais. Divulgam-se tudo sobre as mídias eletrônicas, das novelas, do grande cinema. Já o teatro, para chegar aos jornais, enfrenta uma dificuldade enorme. Acaba sendo um massacre e você tem que descobrir os seus meios de sobrevivência no meio dessa coisa toda. Eu não sou um partidário do mundo moderno (risos).
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Quais as reações mais comuns de um público não habituado ao teatro de rua? O teatro, ao longo do tempo, sendo transformado em uma arte burguesa, extremamente elitista, não faz com que se gere algum estranhamento a partir do momento em que há esse encontro da arte com o povo?
Haddad – Veja bem, isso pressupõe uma atitude elitista, uma linguagem especializada que só pessoas especializadas têm acesso, transforma o teatro numa arte particular, intocável. O teatro é uma arte pública, nasce de baixo para cima, de dentro para fora. Não é uma doação dos deuses. O teatro é uma arte rasteira, é uma arte popular. O teatro não faz parte das grandes academias. O Shakespeare não era aceito na Biblioteca de Londres, não reconheciam a obra dele de jeito nenhum porque ele fazia teatro, era chamado de cordelista, contador de história sem dignidade nenhuma. Então, quando você leva o teatro para as ruas, o que o povo pode dizer sobre essa coisa que é o teatro? 
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Na verdade, pela nossa experiência, nós sabemos que é exatamente o contrário. Esse foi o grande susto, o grande acontecimento da minha vida. Quando fui para as ruas fazer teatro, vi que aquelas pessoas conheciam o teatro há milênios. Todos eles sabiam o que estavam vendo e não achavam estranho. Inicialmente até perguntavam: “O que é? É evangélico? Quem está aí? É cigano?”. De repente, quando percebem que é teatro, param, ficam olhando, participam. O contato inicial é de espanto porque você não vê nada nas ruas. O que se vê nas ruas? Polícia, mendigo, violência, pessoas apressadas. Quando se vê uma pessoa colorida nas ruas, vai pensar que é louco. Sem dúvidas há esse estranhamento. Mas, eu preciso fazer uma pequena diferença aqui. O tetro que levamos às ruas não é o mesmo das salas fechadas. Se isso acontecesse, o estranhamento realmente seria muito grande. Poderia até não haver respeito, porque não é a linguagem das ruas, não faz parte daquele universo. O teatro levado para as ruas é outro, é filho da História, não é filho da ideologia. O teatro das salas fechadas foi desenvolvido nesses últimos 300 ou 400 anos pelo pensamento da burguesia capitalista e representa fielmente a ética e a estética desse grupo social. Ao ir para a rua, se quebra essa linguagem, tem que mudar. Mesmo o burguês que aceita esse tipo de espetáculo em uma sala fechada, na rua ele não se importa. Então, ao se transformar a linguagem, ele pode se tornar muito atraente. É a coisa maravilhosa de quando se vê que o teatro é mais do que você. Na sala fechada, você é o teatro. Na rua, o teatro é mais que você, porque ele está vivo dentro de cada pessoa que está ali: ignorante, analfabeta, mal alimentada, cheirando cola, bêbado, trabalhando, seja em quem for. Não se discrimina. As ruas contam a história do teatro justamente por sair do canal da ideologia, do pensamento dominante. Talvez, por isso, a estranheza maior seja do próprio ator ao saber que nas ruas existe gente na frente dele, ao contrário das salas fechadas, onde ele está no escuro.
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Quais os elementos da cultura popular podem ser incorporados ao teatro de rua?
Haddad – A cultura popular deve ser entendida. É essencial que se perceba a existência de uma cultura que não está ligada às classes dominantes e não siga os critérios firmados pelas elites. Todos os grupos sociais têm os seus sinais, as suas formas de expressão, que os identifica e que ajuda a se comunicar com os outros. Mas eu também tomo muito cuidado para não transformar em uma regionalização do espetáculo, saturando de bumba-meu-boi, de tambor, de congo. Então, só pelo fato de fazer teatro no Espírito Santo não quer dizer que eu deva necessariamente incluir o congo. De repente, o congo quer respirar, entrar em contato com outras realidades.
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Fale-nos um pouco sobre o trabalho que está sendo desenvolvido junto ao Grupo de Teatro Rerigtiba. De 1997 – quando o senhor esteve aqui trabalhando com o grupo no Auto do Beato Anchieta – para cá, deu para perceber alguma diferença?
Haddad – Eu não posso falar se houve diferença ou não porque hoje existem crianças de 12 anos no grupo e que, naturalmente, não estavam aqui em 1997. O grupo vive uma renovação permanente, já que muitos desanimam em função das condições de sobrevivência precárias do teatro. O trabalho de residência artística que está sendo feito com o grupo é, na verdade, uma reciclagem de informações. Nós ficamos muito presos às nossas próprias informações quando trabalhamos em grupo, mas sem contato com os outros. Acabamos ficando viciados. É essencial o trabalho em grupo para romper estes vícios. Um grupo que trabalha junto, mas sem contato com outros acaba se “autodevorando”. Então, quando vem uma pessoa realimentar, reabastecer aquele trabalho, fortalece, sem dúvidas. É inevitavelmente um processo de alimentação e de metabolização do ensinamento. Isso vai se transformar em sangue e alma do próximo trabalho, mas essa transformação acontecerá do jeito do grupo, não tem que ser nenhuma cópia do que eu faço. Eu procuro abrir horizontes e não impor modelos. Cada um manifesta da sua forma. Não existe um crítico, um acadêmico que vai chegar até você e dizer: “olha, você saiu da linha”. Aqui você pode sair à vontade.
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