CARLOS MOSSY (ator, diretor, roteirista e produtor brasileiro.)


Carlo Mossy

Moisés Abrão Goldszal, conhecido como Carlo Mossy (Tel Aviv, 1946) é um ator, diretor, roteirista e produtor brasileiro.

Na década de 60, ao salvar o marchand de quadros falsos Fernand Legros de se afogar na praia de Copacabana, Mossy recebeu do milionário em agradecimento, durante três anos, recursos para estudar cinema, teatro e música na França, nos Estados Unidos e na Inglaterra. Durante esses três anos, Mossy manteve um relacionamento afetivo com Legros. Nesse período conheceu grandes estrelas de cinema e diretores famosos como Alec Guiness e Roman Polansky.

No final dos anos 60 Mossy voltou ao Brasil, onde colocou em prática o que aprendera. Como ator, estréia em Copacabana me engana, de 1968. Em 1972 cria a Vidya Produções, produzindo, dirigindo e atuando de forma independente na cena cinematográfica da época. Embora sua especialidade fossem as comédias eróticas, a chamada pornochanchada, investiu também em filmes policiais e até infantis. Mossy fala fluentemente, além do português, o espanhol, inglês, francês, polonês e se comunica com facilidade em italiano e alemão.

Mossy é pluri desportista até os dias de hoje e no futivolei de praia que ele encontra sua melhor forma.
Passa alguns anos longe das telas e dos holofotes da mídia, retornando em 2003 com um papel no filme O Homem do Ano e aparições em novelas e longa-metragens.
Graças ao Canal Brasil, seus filmes são vistos e reavaliados por uma nova geração de pesquisadores, cinéfilos e críticos. Coroando esse movimento, em fevereiro de 2006 foi exibida uma retrospectiva de sua obra no Cine Odeon, Rio de Janeiro, durante quinze dias ininterruptos.

Trabalhos na TV

2013 - o rei do dramasérie - Nicolaiev
2013 - SALVE JORGE- mafioso
2012 - As Brasileiras - Frederico
2010 - Araguaia - Lauro
2010 - Tempos Modernos - Marido na Ópera
2009 - Filhos do carnaval- Juiz feitosa
2008 - Larica total(série Canal Brasil)
2008 - Profissão Voyeur-(série)
2008 - Malhação - Daniel Viveiros
2008 - Dicas de Um Sedutor - Jonas
2008 - Queridos Amigos - Marcedo
2007 - Vidas Opostas - Professor Boáz
2007 - Sete Pecados - Treinador
2007 - Amazônia, de Galvez a Chico Mendes - Comandante
2006 - Páginas da Vida - Galvão
2006 - Minha Nada Mole Vida - Beto
2005 - Carandiru, Outras Histórias - Walter
2005 - A Lua Me Disse - Nocaute Jackson / Josimar
2004 - Eu sou Imperial-(especial Canal Brasil)
2004 - Rosana Ghessa - (série CineBrasilTv)
2004 - Hernani Heffner - (série CineBrasilTv)
2004 - Benício- (série CineBrasilTv)
No Teatro

1967 - Espírito da coisa (Claudio Barreto e Carlo Mossy)
1967 - Quarenta quilates(Barillet & Gredy)
1966 - Sim mamãe! (Claudio Barreto e Carlo Mossy)
1966 - Nana (Yves Furet)
No Cinema

2013 - Benjamin- curta-metragem - Homem das cavernas
2013 - ÓDIO longa-metragem (remake)- Delegado
2011 - Réquiem para Laura Martin longa-metragem - Dr. Guilherme
2011 - O Terno do Zé - curta (UFRJ) de Fabiano Cabeludo
2010 - a despedida- longa de Rodrigo Alvarado)(seu Francisco)
2009 - de velha basta eu (Turma QuerÔ) (curta) (namorado)
2009 - Cataldo convida (curta) (Mossy)
2009 - Garota de Ipanema- o Bar (longa) (Mossy)
2009 - Ligação de Edson Erdmann (Delegado Feitosa)
2009 - Catarses de Antônio Cantuário (O Velho)
2008 - Luz de velas de Luiz Rangel (pai)
2008 - Cleópatra de Júlio Bressane (Profeta)
2008 - Aporias Conjuminadas de Vinicius Bandera (quatro personagens)
2008 - Filhos do Carnaval Talarico (série - 2ª temprada - HBO)
2008 - ego e as estrelas também (curta) pai
2007 - o arquisvistasérie - o entrevistado
2007 - A Volta do Regresso Costão
2007 - Sarcófago Macabro de Ivan Cardoso (Mr.Stone)
2006 - Meu Nome é Dindi - de Bruno Safadi (açougueiro)
2005 - Cafuné - Carlos
2003 - O Homem do Ano - Delegado Santana
1986 - As Sete Vampiras - Luís Terra
1983 - Giselle - Ângelo
1981 - O Sequestro - Vilarinho
1979 - As 1001 posições do amor- narrador
1978 - Bonitas e gostosas- narrador
1978 - As taradas atacam - narrador
1977 - Ódio - Roberto
1976 - As Granfinas e o Camelô de Ismar Porto- (Zé Maria)
1976 - As Manicures - repórter
1976 - As massagistas
1975 - Com as Calças na Mão - Reg
1975 - Lucíola, o Anjo Pecador - Paulo
1975 - Quando as Mulheres Querem Provas - Bira
1974 - Essa Gostosa Brincadeira a Dois - Carlos
1973 - Como É Boa Nossa Empregada - Honorinho
1973 - Oh que delícia de Patrão- Loirinho
1973 - Quando as mulheres paqueram-Carlos
1972 - Viver de Morrer - Carlos
1971 - Lua-de-Mel e Amendoim - Serginho
1971 - Soninha Toda Pura - Betinho
1970 - Estranho Triângulo e Pedro Camargo - Durval
1968 - Copacabana Me Engana - Marquinhos

ENTREVISTA AO SITE ESTRANHO ENCONTRO EM 2005
Bar Vermelhinho, Cinelândia, centro do Rio de Janeiro, quatro horas da tarde de uma quarta-feira ensolarada. Carlo Mossy, o homem que enriqueceu o cinema brasileiro com quase quarenta títulos, que atuou e dirigiu ao lado dos maiores atores e atrizes desse país, que concebeu em sua produtora, a Vidya, alguns dos títulos que habitam nosso imaginário fílmico, como “Ódio”, “O Seqüestro” e “Giselle”, chega de blusão, manga comprida, portando uma pastinha de executivo.
“Somos pontuais”, diz Mossy, chegamos quinze minutos mais cedo. Olho o relógio e era verdade, o encontro marcado para as quatro e lá estávamos às três e quarenta e cinco. Sentamos no bar e pedimos uma cerveja. O aquecimento antes da entrevista gravada revela em Mossy um homem inteligente, consciente de seu papel no mundo, buscando uma espécie de equilíbrio existencial próximo dos sessenta anos de idade.
Só uma coisa, no entanto, o tira do sério: falar sobre cinema. Mossy é o homem-cinema, tem no assunto certa obsessão lúdica, quase infantil. Qualquer assunto puxado forma uma elipse e deságua em... cinema.
Três horas e meia depois, modéstia à parte, tínhamos em mãos uma das mais completas, sinceras e cuidadosas entrevistas que um realizador de cinema brasileiro já deu sobre sua vida e seu ofício. Sem medir palavras, sem máscaras, o mito Carlo Mossy conta histórias incríveis reproduzidas a seguir, inaugurando a série de entrevistas que a partir de hoje estará presente neste site.

ESTRANHO ENCONTRO – Então Mossy, vamos começar. Eu pensei em pegar essa parte das origens. Seu pai, sua mãe, o ambiente familiar, as primeiras lembranças que você tem da vida...
CARLO MOSSY – Quando eu nasci, meu pai era um refugiado da Segunda Guerra Mundial, um polonês, de Varsóvia, e minha mãe também, polonesa de Varsóvia... Eles fugiram da Polônia durante a Segunda Guerra Mundial, são aqueles sortudos que de repente saíram do gueto fugindo via Rússia, via Irã, que era a Pérsia na época, e adentraram Israel. Em 1946 eu nasci, no Hospital Hadassa, que é o nome do hospital até hoje conhecido... Aí o rabino médico perguntou qual o nome que iam me dar, e meu pai, com medo, ainda com reflexo condicionado da guerra, inventou um nome super católico: Stanislaw. Não tem nada a ver com judaísmo; aí o médico rabino: “Stanislaw?, isto não é nome de judeu. Qual é o nome do avô do garoto que nasceu?” “Moshe Abraham Goldszal”. “Moshe Abraham Goldszal” significa, em português, Moisés Abraão Goldszal. Vai ser esse o nome do garoto e ponto final. Então, eu sou Moisés Abraão Goldszal e ponto final [risos]. Eu convivi até os 4 anos de idade em Tel Aviv e meu pai era maravilhoso, mas era também um jogador de cassinos, inveterado. E minha mãe sofreu. Além de ter tido problemas de coração, ela morreu mais em decorrência da tristeza, porque era uma mulher muito inteligente, formada na Universidade de Varsóvia, e que de repente viu uma vida tumultuada, que o meu pai arranjou, aventuresca mesmo. E com 4 anos de idade, eu vim para o Brasil. Primeiramente fomos direto para São Paulo. Em São Paulo aprendi a ser criança, minha infância foi fantástica...

EE – Como vc saiu de São Paulo?

CM – Com 11 anos de idade nós saimos de São Paulo porque meu pai faliu, ele abriu uma malharia, depois uma loja de doces no Bom Retiro, no bairro do Bom Retiro, e de lá ele foi chamado por um amigo dele, parente, em Buenos Aires. E eu parava de estudar toda vez que mudava. Cortava meu elo com a cidade, cortava o elo com a minha educação, inclusive. Então meus estudos foram sempre muito abaixo do desejável. E de São Paulo nós fomos para Buenos Aires, depois a gente foi para Montevidéu onde eu morei um ano. Voltei a estudar em Montevidéu, mas meu pai também não se arranjou. Daí de lá pegamos um navio e fomos até Recife, onde um amigo dele era madeireiro e construtor, chamou para trabalhar com ele. Permaneci em Recife durante quatro anos, quando minha mãe faleceu, em 1962. Em Recife foi o melhor momento da minha vida juvenil, porque fiz parte de uma agremiação israelita sionista, e lá eu aprendi a cultivar a terra e dar valor realmente a tudo que é natural. Em Recife eu fiquei, estudei, e de Recife viemos para o Rio de Janeiro...
EE – Que idade você tinha?

CM – Eu estava com treze anos... doze anos. E a partir desses doze anos, na verdade, eu comecei a ter uma vida normal. Meu pai, sem minha mãe, tentando de todas as formas me dar o melhor de si, porque era um pai apaixonado... Eu fui um péssimo filho, ele foi um bom pai. E aos 15 anos eu salvei a vida de um excêntrico, um cara que depois eu soube que era um dos maiores marchands de quadros falsos do mundo, o Fernand Legros. Eu estava jogando frescobol com um outro amigo meu, o Renato, o Fernand estava se afogando em frente ao Copacabana Palace, e o Jacaré, que era o salva-vidas da época, não estava presente. Eu me joguei na água e salvei-o. Ele tentou ainda encenar, estava nervoso. Aí dei um soco no queixo, fiz desmaiar, trouxe ele até a terra, fiz um boca-a-boca nele, e quando ele acordou dentro do hotel, ele acordou e soube do que aconteceu, olhou assim para mim e disse em francês, por acaso eu entendia francês, “Você acaba de salvar a tua vida”. Ele dizendo pra mim que eu salvei a minha própria vida ao salvar a dele. O que significou isso? Que eu me transformei em um príncipe encantado, durante três anos ele me levou a Paris, Nova Iorque, Londres. Eu estudei nas melhores escolas de arte dramática, de técnica de cinema, música, técnica visual, técnica de iluminação. Quer dizer, eu fiz tanta coisa, eu quis, me agarrei a essa oportunidade...

EE – Você já pensava em fazer cinema?

CM – Foi a única coisa consciente que eu fiz realmente, eu era um jovem babaca, tremendamente alienado e a minha ideologia era comer as garotas, eram futilidades, não havia nada de profundo em mim. Porque eu não aprendi, na constância da minha vida, a ser mais profundo... E com ele eu comecei a filosofar, a ver o outro lado da vida. Obviamente, eu fui o namorado dele, durante os três anos. Ele era homossexual, mas era um homossexual não muito ativo. O grande lance dele era o intelecto. Uma pessoa muito intelectualizada, o relacionamento não era tanto físico. Obviamente era físico também, complementava, me deu muito prazer. Mas sempre fugia daquelas coisas, porque minha tendência sempre foi mais para mulher. Não sei se para o bem ou para o mal, mas é a minha tendência natural. Mas eu experimentei o lado homossexual.

EE – Fala um pouco melhor disso.

CM – Acho fantástico qualquer ser humano conhecer os seus dois lados, não ter medo e escolher, optar, depois. A vergonha existe. Na verdade, ter que dar satisfação à sociedade, que não nos dá absolutamente nada e nos exige em tudo. Então eu fui um garoto que fiz de tudo. Sexualmente eu fui complementado, me completei, o regozijo na verdade foi total. Conheci tudo. Só fui careta em termos de droga. Droga a única vez que tomei foi LSD. Aí eu viajei durante dois dias, foi em Ibiza, em 1966, na ilha de Ibiza. Nunca mais quis saber de droga nenhuma. Porque aí, de repente... aquele negócio da mulher ser mal transada a primeira vez traumatiza, então eu fui traumatizado provavelmente pelo LSD. De outra vez tentei fumar um haxixe, não foi nem maconha, com a Adriana Prieto, filmando “Soninha Toda Pura”. Foi quando eu estava com ela, loucamente, eu fui muito apaixonado pela Adriana Prieto. Hoje eu sei, mais do que antigamente.
EE – Ela faleceu em 75, no acidente, não foi?

CM – Ela faleceu em um acidente bastante... discutível, creio. E ela me ofereceu então um haxixe. Eu disse “não, não tô a fim, não vai me fazer bem”. E ela, “Toma, toma”. Então eu broxei ao fumar. Eu disse “pô, Adriana, é uma loucura”. Aí só no dia seguinte, que eu fiz questão, expliquei pro Aurélio Teixeira [diretor do filme “Soninha toda pura”] a situação. Eu disse, “não vou poder interpretar enquanto não der uma trepada, comer ou ser comido”. Porque a Adriana Prieto comia, não dava. Ela era pra mim a musa do cinema nacional, eu repito isso sempre. É uma das poucas ou única garota que tinha total relacionamento com a câmera e com a lente. Ela era meio Greta Garbo, uma mescla de Greta Grabo com a Marlene Dietrich, ela é na verdade a única que tinha uma equalização, falava ao cinema, à tela, à lente, como nenhuma outra. Possivelmente a Sônia Braga tem isso também, um pouco. Mas a Adriana Prieto é a que me marcou....
EE – Continua falando da sua formação...

CM – No fundo, no fundo, sempre as pessoas me diziam “pô, mas você é um garoto bonito, por que não vai fazer cinema?” Mas eu não tinha ambição de porra nenhuma. Acontece que o Fernand Legros me motivou realmente, porque eu aprendi a gostar de cinema fazendo teatro. Meus primeiros passos foram teatrais e meus estudos de arte dramática foram de teatro. E de lá eu fui pros Estados Unidos, fui pro Actor´s Studios.
EE – E o nome Carlo Mossy, como surgiu?

CM – Mossy em polonês advém do Moisés e Carlo foi me dado na brincadeira pelo Peter Sellers, em Londres, nos Estúdios de Southampton... em 1967. Inclusive eu tenho uma foto de um papo de dois dias que eu tive em Londres com o Peter Sellers. Com ele que eu aprendi realmente a importância de como se comportar tecnicamente diante de uma câmera. Ninguém assistiria a “Giselle” ou a “Ódio” com um ator chamado Moisés Abraão Goldszal, não no Brasil... [risos]

EE – Você estreou no cinema brasileiro em 1968, fazendo “Copacabana me Engana”, do Antônio Carlos Fontoura. Agora vamos fazer o seguinte, cronologicamente vamos falando dos trabalhos da sua carreira, começando por este primeiro...

CM – Eu cheguei no Brasil em 67 e fui convidado pra participar de uma peça de teatro chamada “40 Quilates”, um vaudeville, dirigida pelo João Bittencourt, com Cleide Yáconis, Madamme Morineau, Jorge Dória, Delorges Caminha, Mário Brasini, Heloísa Helena, Cláudio Cavalcanti, Lúcia Alves e Nádia Maria. Um belo começo de carreira, aqui no Brasil. E quem foi me visitar foi a Odete Lara. Me viu, porque falaram pra ela que tinha um garoto talentoso, bonito, sei lá o quê mais... [risos]. Ela me viu e pediu pra que eu fosse fazer um teste para o papel do Marquinhos. Eu passei no teste, ganhei o primeiro lugar, e fiz então o papel de Marquinhos no “Copacabana Me Engana”, filme em preto-e-branco, fotografia do Afonso Beato, montado pelo Mário Carneiro, dirigido pelo Antônio Carlos Fontoura. O filme com que eu ganhei alguns prêmios simpáticos, inclusive em Brasília, revelação, essas coisas todas.


EE – Mas puxa pela memória, eu sei que foi há quase 40 anos atrás, mas você lembra dos bastidores, como é que foi, sua presença lá...

CM – Olha... nós filmamos na casa da mãe do Chico Anísio, lá na Domingos Ferreira. E ele participava de vez em quando, o Chico, um conhecido meu, por isso que o Zelito Viana também participou, de tabela. Era tudo altamente romântico, nada que se compare com hoje, não. Era um orçamento baixo, dividiam-se as comidas, nunca faltou absolutamente nada, não recebi muito. Acho até que eu paguei pra fazer o filme, porque eu sabia que era importante fazer aquele filme. Quando eu falo pagar é modo de dizer [risos]. Mas era tudo muito artesanal. Um filme com o dinheiro contado. Foi feito, na verdade, com muito carinho. Me lembro de muito amor, havia muito amor, amizade, reciprocidade. O Joel Barcellos, o Cláudio Marzo, o Paulo Gracindo. Era um filme de autor, intimista. E nós fomos na verdade... contemplados. A gente se sentiu parte integrante do filme em função disso. Não havia fofoca, não existia nada desses empecilhos, de barreiras, era um negócio absolutamente, eu repito, romântico mesmo...
EE – E aquela cena clássica, que todo mundo comenta. Você, o Cláudio Marzo e a Odete Lara, tocando Otis Redding...

CM – É, existe a cena que é muito tocante, é muito importante em “Copacabana Me Engana”, que é um triângulo sensual, imediatista. Eu, Cláudio Marzo, a Odete Lara. A gente... resulta numa suruba, numa bela de uma suruba [risos], porque o ambiente permite. Quem escreveu também é uma pessoa muito importante, que não existe mais, que é o Armando Costa, da “Grande Família”. Agora, aquela cena é fantástica porque foi escolhida muito bem a música, me parece que do Billy Joel, do...

EE – ... do Otis Redding.

CM – Exatamente. E esquentou mesmo o ambiente, aquela cena tinha muito a ver e acontece provavelmente toda hora, é o apetite sexual mesmo... o Marquinhos não tava com nada, garotão bobão, burrinho, chatinho... Eu gosto também, em “Copacabana Me Engana”, da lição de moral que o Paulo Gracindo me dá comendo lagostinha, na hora em que eu tô bêbado naquela locação no Joá, lá em cima, aquela visão linda. Aquela luz maravilhosa, branco e preto lindo, hoje em dia você não consegue ter mais esse branco e preto não, porque é deficiente. Hoje você tem que provocar deficiência no celulóide, não existe mais aquele espontâneo não, branco e preto espontâneo. Agora, “Copacabana Me Engana” é o inicio de minha vida, eu quando vejo o Fontoura eu o abraço...Você vê, eu iniciei com Cinema Novo, apesar dele fazer questão de dizer que não é Cinema Novo. É o cinema romântico... ele é muito godardiano, mas de repente ele se isolou do Godard e passou a ser o Fontoura mesmo, autenticamente carioca, o filme é cem por cento, autenticamente carioca...

EE – Em seguida você fez o “Penúltima Donzela”?

CM – Foi uma história muito legal. Eu estava em Los Angeles, porque meu pai conhecia um autor musical, o Bronislaw Caper, compositor da música “Hi Lili, Hi Lili, Hi Lo”, ele ganhou o Oscar com ela. Fui na casa do cara e lá pela primeira vez peguei um Oscar, eu vi um Oscar. Eu já tinha atrás de mim o “Copacabana me Engana”, eu peguei dois rolos para mostrar. Mas naquele dia exatamente, o Paulo Porto, falecido, me liga dizendo Mossy, vem pra cá imediatamente. Mas por quê? O filme “Penúltima Donzela” vai começar. Mas que penúltima donzela? Quem é, o que é? Não interessa, vem pra cá. Não resisti. Peguei o avião, contrariando meu pai, mas vim correndo. O Paulo Porto me recebeu no aeroporto, me explicando no caminho o que era o filme, com a Adriana Prieto, o Fregolente, a outra, maravilhosa atriz que também... a Machado... como é, a...
EE – ... Djenane Machado...

CM – Djenane Machado... Olha aí, tá vendo só, tem tanta gente maravilhosa. É um dos primeiros filmes coloridos da época. Uma comédia romântica muito legal, pô, que também se passou fantasticamente bem. Lindo. E eu sou o perdedor no filme. Porque eu sou garotão, mas perco a Adriana Prieto pro Paulo Porto, o antagonista. Cinema é assim mesmo, a gente não pode ganhar sempre. Logo depois do “Penúltima Donzela”, quem não resistiu às minhas capacidades, acredito que seja isso, capacidades duplas [risos]... interpretativas e físicas, foi o Pedro Camargo... Me chamou pra fazer “Estranho triângulo”, um lindo filme. O primeiro filme do José Wilker. E “Estranho Triângulo” eu gosto muito, assisto e choro...

EE – Depois disso começa a fase da Vidya, certo? Conta um pouco, como foi?

CM – Eu comprei o maior equipamento, o Fernand Legros me deu... Naquela época uns 350.000 dólares, hoje representaria 1 milhão de dólares. O maior equipamento de cinema que a América do Sul já teve. Foi aí que eu formei a Vidya Produções Cinematográficas.

EE – Aliás, como é que foi o encontro com o Victor di Mello? Foi nessa época, antes, depois?

CM – Olha, a minha vida, ela tem dois lares. Os meus lares, “lar” propriamente dito, e o lar que se chama “Fiorentina”. Durante trinta anos eu vivi na Fiorentina e lá eu conheci o Victor di Mello. E lá que realmente a gente começou a delinear nossa vida pornochanchadeirística...
EE – Se a gente for fazer um pacote da época, da Vidya, o que você tem a dizer a respeito?

CM – Olha, a Vidya, na verdade, 99% é Carlo Mossy. Porque me pertencia em número, gênero e grau. Meu irmão Bernardo era apenas um sócio administrativo, eu estava precisando de alguém pra administrar a produtora. Pensei, eu vou colocar alguém de confiança pra tomar conta dos meus negócios, enquanto eu crio. A criação sempre foi toda minha. Totalmente minha. Aí eu me propus a fazer umas coisas intelectuais, intelectualóides, mas o Luís Severiano Ribeiro, o pai, me disse, não entra nessa, só faz coisa popular pra ganhar dinheiro. Porque com dinheiro você faz o que você quiser... Aí eu optei pelo cinema comercial popular. Fazer coisas de bom gosto para o povão e não para uma elite. Lógico que poderia fazer filme para a elite, teria capacidade de fazer filme cabeça, intimista, filme culturalista, filme regionalista, filmes obscuros, abstratos. Mas eu deixei pros meus amigos, pros meus colegas fazerem. Optei realmente por fazer filmes que dessem dinheiro, bilheteria e retorno, foi o que aconteceu.

EE – Fala de um filme que todo mundo adora, o “Essa gostosa brincadeira a dois”.

CM – No “Essa gostosa brincadeira a dois” eu sugeri pro Victor, vamos fazer o seguinte: um filme na Bahia. Pintou um dia uma garota lá no meu escritório, com o pai dela, era a Vera Fischer. Ela fez um filme em São Paulo, acho que “As Fêmeas”...

EE – “Superfêmea”.

CM – É, o “Superfêmea”... Fez um sucesso relativo, mas não era nenhum ícone. Era uma gostosa, todo mundo queria comê-la, logicamente. Só que pintou lá, o pai pedindo, a vitrine para a Vera Fischer era o Rio, não São Paulo. E não por acaso esse filme a projetou para a televisão... Mas aí meu irmão conhecia um pessoal da Kalzberg, da Bahia, então a Kalzberg entrou com uns 50.000... O dono da Kalzberg falou, vem fazer aqui na Bahia, nos pagou a hospedagem, nos pagou tudo. E a gente optou pelo romantismo. Um filme que não fez muito sucesso na época, porque foi muito mal lançado pela Condor Filmes.

EE – Mossy, e como é que era essa questão do dinheiro? Vocês entravam com uma ponta e conseguiam financiamento da Embrafilme na outra? Como é que era?

CM – A Embrafilme nunca existiu na nossa parada. O único dinheiro que a gente conseguiu com a Embrafilme foi em função do filme “Ódio”, para distribuição. A Embrafilme nunca me deu nada, porque eu não fazia parte da patota da Embrafilme. Eu era exatamente o antagonista.

EE – Uma coisa no “Essa gostosa brincadeira a dois”, que chama muito a atenção, é a trilha musical...

CM – Olha, gozado, muitas vezes a gente esquece de falar de coisas importantes, primordiais, essenciais mesmo. Eu sempre fiz questão de ter músicas em primeiro plano. A música de “Essa gostosa brincadeira a dois” foi composta pelo José Itamar de Freitas, que vinha a ser, na época, o diretor do Fantástico, o diretor-geral do Fantástico. Um cara super talentoso. Fizemos uma música específica para o filme, com o tema do filme. Ela inicia, no meio e no fim, esse tema de José Itamar de Freitas, sobre os dois personagens, sobre a aventura, eu e a Dilma [Lóes] e a aventura em si. E as músicas todas foram gravadas em estúdio, Dolby System, com orquestra. O filme custou caríssimo. Hoje em dia, iria custar uns 4 milhões de reais, pelo menos. 4 milhões, de verdade mesmo. Pagamos todos muito bem, tínhamos a melhor equipe. Um equipamento moderníssimo que o Jarbas Barbosa trouxe na época. Nós passamos pelo menos uns trinta dias musicando o filme. Trinta dias!

EE – Vamos pular pro “Ódio”, que é o seu filme clássico. Na opinião geral, o estado-de-arte do seu cinema...

CM – De repente pensei no Fernand Legros, pensei na Simone de Beauvoir... Então me deu vontade de fazer alguma coisa, não que fosse definitiva, mas algo que eu pudesse mostrar capacidade de dirigir, de escrever, algo diferente, algo forte. Bolei “Ódio”. Mas faltou no roteiro um toque feminino. Aí eu pedi, eu sabia que ela tinha um certo talento, chamei a Talita [Valle] pra ela co-escrever comigo o “Ódio”... A Talita vem a ser a ex-esposa do meu irmão. E ela fez muito bem o trabalho, deu certo. Eu pedi pro José Medeiros dar uma luz natural, eu não queria nenhuma luz artificial. “Trabalhar com luz natural, você é maluco?” Então vamos puxar pra 400 asa. Os filmes normalmente são 100 asa...120. Aí importou o filme Kodak do México, 400 asa. E pedimos à Líder Cinematográfica pra puxar a granulação, eu quis fazer um negócio diferente. Pensando no Peckinpah, pensando no Frankenheimer, pensando um pouco nessa turma toda. Inclusive no Clouzot também, eu queria dar um toque de anos 50 no filme. E dei sorte porque, veja bem, o diretor de fotografia, o José Medeiros, fantástico diretor, premiado, entendeu o que eu quis fazer. Nós trabalhamos única e exclusivamente com luz natural, lâmpadas. Se você reparar bem, aquela luz de dentro do barraco é uma luz de lampião. Não tem outra luz a não ser de lampião. A luz dentro da casa do massacre é uma luz azulada, uma luz fluorescente...


EE – Especificamente no “Ódio”, teve direção de atores forte? Foi uma coisa instintiva ou você pensou? O que rolou ali para sair tão perfeito?

CM – Eu já tinha me programado pra dirigir grandes atores, nesse preâmbulo de cinema sério. Eu sabia que tinha talento, mas eu nunca me compus, eu nunca me administrei nesse sentido. O Celso Faria, o Átila Iório, uns puta veteranos, porra, estavam me ensinando... Você pega o Jotta Barroso, o Ivan de Almeida... São tantos atores. Eu sou apaixonado pela atriz que era a mulher do Jotta Barroso, morreu recentemente, a que tinha um problema na perna...
EE – Estelita Bell...

CM – Não existe nenhum momento dramático mais importante no cinema brasileiro. Aquilo que você fala no site fundamenta ainda mais o meu ponto de vista, de que esse é um filme muito importante no cinema brasileiro. Foi mal lançado, de repente a gente vai até relançá-lo. E é verdade aquilo que você falou, que a atuação dos atores e a direção foi muito mais importante do que a minha própria atuação. Pode até ser que eu estivesse melhor se eu tivesse sido dirigido por outro diretor. Eu me entreguei muito mais à direção. É difícil ser gênio como Clint Eastwood, que consegue dirigir e se auto-dirigir. Pouquíssimos atores conseguem se auto-dirigir. Eu provavelmente não consigo ou vou conseguir com o meu futuro filme, o documentário “Morrendo aos poucos em Copacabana”. Mas eu realmente me entreguei, de corpo e alma e espírito, tentei desenvolver um trabalho técnico, tirar de dentro a atuação de cada ator. Cada palavra, cada vírgula, para mim era importante. Se a gente tivesse que repetir, repetia, até chegar a um denominador comum. Eu não gostava de alguma coisa, eu mandava repetir, mas sempre de uma forma muito bondosa, generosa, de uma forma bastante calma. Nada irritadiço, apesar de ter sido um jovem irritadiço, sempre. Mas eu consegui manipular e manejar, conduzir aquele barco, o resultado vocês viram.

EE – “Ódio” realmente é uma obra-prima...

CM – Puxa vida, palavra de honra, não vejo nenhum filme que tenha interpretações dramáticas tão condizentes e com tanta capacidade interpretativa e graças também ao diretor, que é, na verdade, o mentor disso tudo. Então de repente eu digo, puta que pariu, desculpa, porra, caceta, quanto tempo parado, um talento como eu. Em função de um bloqueio de sistema, um bloqueio de máfia. Pô, por que não me chamar pra fazer um filme parecido com o filme “Ódio”? Já que existe uma referência. Por que não me permitem? Porque é exatamente o sistema, é o poder, não me permite desaguar novamente, fazer um bom trabalho. Voltando ao “Ódio”, eu gostaria de mostrá-lo novamente, fazer uma sessão grande, importante. E não somente em vídeo, não. Em positivo mesmo, chamar o filme pra discutir com a juventude, com os novos valores. E ver o que que eles acham realmente. Eu tenho uma interrogação até hoje, quando eu mostro esse filme em festivais, nas mostras. A pergunta que eu faço é a seguinte: será que aquele final não é piegas demais, o suicídio? Alguns acham que sim, a maioria acha que aquele final é perfeito, que aquilo não tinha mais solução. O personagem... não tem mais solução...

EE – Em termos de linguagem cinematográfica, uma coisa que chama bastante a atenção é aquela cena de amor, entre você e a Fátima Freire. Você lembra o que tinha em mente?

CM – Eu sou uma pessoa excepcionalmente romântica, apesar de ser sacana. E quis fazer algo que transcendesse o físico. Que transcendesse a pura filmagem de cenas de amor, tão convencional no mundo todo. Eu quis adentrar no poro, mas para isso eu precisava de uma lente que adentrasse no poro. Macro. E as lentes que eu tinha na verdade não eram macro, eram uma lentes Cook, até que me surgiu a idéia. Eu estava com as câmeras fotográficas que tinham macro, da Nikon. Adaptei-as, levamos algumas horas, o José Medeiros adaptou-as à arriflex e conseguimos, câmera na mão, filmar os poros, a lágrima furtiva. Aquele passeio. Panorâmica, epidérmica. Aí eu senti que, quando eu vi o copião... naquela época ainda havia copião, hoje em dia não existe mais, era como o filho que ia nascer... o parto, o copião. Então eu filmei aquela panorâmica epidérmica. Eu falei, Fátima, se entrega, por favor, da melhor forma. Esquece. Além. Transcenda-se de atriz, eu vou te respeitar, vamos passar tudo. Deixei a barba crescer, eu não tava com a barbinha lisa não. A interpretação exatamente realista, de um cara atormentado, naquele momento. E aquele momento é sublime. A música colocada foi uma inspiração minha. Usei duzentas músicas e aquela que me fez acordar um dia às 4 horas da manhã e dizer “porra, é aquela ali”. Qual é o nome da música?

EE – O concerto para uma voz...

CM – É, o concerto para uma voz.

EE – ... do Saint-Preux.

CM – Exatamente. Fui até o escritório, joguei na tela, na moviola, a cena já estava montada... E joguei a música. Aquela música na verdade complementou as cenas todas. Agora, eu gosto muito também de uma cena, que eu acho tão importante quanto com a Fátima Freire. Com aquela menina que fez a prostituta, aquela cena de amor com ela também é muito linda. Como é que é o nome da menina? A... Maralise. Ela é dubladora e eu a chamei exatamente pelo physique du role, a voz dela. A voz dela que fez com que eu a chamasse pra interpretar o papel da prostituta, porque eu tava precisando de uma voz rouca, grossa, que pudesse contracenar com a minha voz. E ela simplesmente transbordou, ela transcendeu. Magistral, natural, fantástica essa menina também. Muito boa aquela cena de amor...

EE – Vamos chegar no “Giselle”, que é o seu filme mais comentado até hoje, mais conhecido, que tem mais visibilidade nos dias de hoje.


CM – O “Giselle” foi uma idéia minha. Chamei o Victor para um papo. Pô, tem o “Emmanuelle”, por que a gente não faz “Giselle”? E ele, pô, mas “Giselle” é um balé... E eu disse, esquece isso aí, Victor, nosso público não é tão conhecedor de “Giselles” não, vamos botar “Giselle”, é um nome bonito, um nome bacana... Na verdade era outro nome. E a gente ia fazer um filme em Macchu Picchu... Giselle em Macchu Picchu, no Peru. A gente acabou se limitando ao Rio de Janeiro, por que não?, o Rio é mais bonito. Então vamos fazer... qual a limitação do filme? A gente começou a escrever. Escrevia, escrevia. Pô, mas aí vinha a pornografia, mas é isso mesmo, vamos beirar a pornografia, vamos às últimas conseqüências mesmo, dentro do que é possível. E a censura na verdade era outro fator a ser exposto. A gente filmou vinte minutos de “Giselle”, exatamente pra censura passar, que não iam entrar no filme.

EE – Então tem 20 minutos aí de extra pra entrar no futuro lançamento em dvd?

CM – Tem mais. Só não sei se eles existem ainda. Mas nós filmamos os vinte minutos a mais de extras. São momentos mais sacanas. Foram cortados, obviamente, e acabou “Giselle” passando com certificado zero zero um, depois de três semanas com a censura de Brasília. E queriam proibir “Giselle” definitivamente, como filme pornográfico. Aí me deram a censura assim: primeiro filme considerado pornográfico. E só liberaram “Giselle” ao liberarem também o “Império dos sentidos”...

EE – Conta mais, conta mais...

CM – “Giselle” teve problemas muito grandes. Eu dirigi o filme, quase metade dele, em função de o Victor não gostar de adentrar na favela. Não, Mossy, favela eu não entro não. Mas naquela época a favela da Maré era mais tranqüila. E também o Victor di Mello se apaixonou pela Alba Valéria, atriz que eu descobri nas praias de Ipanema. Fiz um teste, ela passou. Não tinha medo de mostrar, de aparecer, o filme é fogo. O mesmo papo eu tive com a Maria Lúcia Dahl, durante uma semana, tentei convencê-la. “É um filme dirigido pelo Victor di Mello, produzido pelo Carlo Mossy, nós somos pornochanchadeiros mas é um filme diferencial”. E a Maria Lúcia Dahl topou fazer, assim como o Nildo Parente, a Monique Lafond. Nós queríamos realmente fazer um filme polêmico, e foi feito um filme polêmico.

EE – Algumas cenas são épicas ainda hoje... Aquela em que você beija o Ricardo Faria, queria que você comentasse, e a cena com o Zózimo Bulbul, que também é outro marco completo.

CM – Eu avisei pro Victor di Mello, e o diretor de fotografia: Olha, segura a câmera porque eu vou dar um beijo de língua no garoto. O Ricardo Faria é gay, mas eu vou dar um beijo nele pra ele se assustar mesmo, porque eu quero a reação dele e o susto. Eu vou enfiar minha língua na goela dele. “Vai fazer isso?”, “Vou fazer”. E fiz. E foi aquele momento fantástico do olhar dele, não acreditando que eu tinha beijado ele com tanta volúpia, com tanta... Foi um beijo apaixonante. Eu soube na verdade fazer com que aquele beijo ficasse na história. Foi primeira tomada, não teve uma segunda. E depois aquele olhar dele, ingênuo, de garoto, garotinho, “garoto-garotinho” é lindo, não é?, o olhar, aquele olhar, trêmulo. Eu digo, pode mandar brasa, não se preocupa não. Ele abre a minha braguilha. E depois a Giselle que chega e faz parte do triângulo. E ele se afasta, e eu seguro ele. Não, você é meu, pô, e seguro ele com veemência. Garoto, você é meu. Pô, não tem essa de preconceito. Aqui a gente tá aberto a tudo. O sexo é vida realmente. Sexo aqui é liberdade total. Aí a Giselle entra na jogada, transforma-se num trio. Acho lindo, maravilhoso. São as tendências normais, naturais do ser humano. E as pessoas têm medo, têm vergonha, ou preconceito. Eu acho o cinema brasileiro muito covarde. Os diretores têm medo de dizer toda a verdade.

EE – E a cena do Bulbul? Foi gravada num motel? Dá impressão de ser um motel famoso em São Conrado, ou não foi?

CM – Aquela cena foi gravada na casa de um amigo meu, na cobertura de um amigo meu, o Bebeto, que é um apaixonado por cinema. Ele tem uma cobertura lá em São Conrado. Mas... é na Barra, é na Barra, não é em São Conrado, é na Barra, na descida do Joá, depois do túnel do Joá. Nós filmamos lá a parte da cama e a parte da piscina de “Giselle”. A piscina onde eu corro atrás da Giselle. E o Zózimo Bulbul é um puta de um ator, puta de um cara maravilhoso que, infelizmente, há um tempo atrás esteve em coma, esteve muito mal de saúde. É uma figura fantástica, um ator fantástico, e ele topou. Eu disse, Zózimo, você vai fazer um proxeneta, um sacana, um bacana, um cara que vai ser chibatado. É um momento racista do filme mesmo, porra, a escravidão toda em cima de você. “Pô, tudo bem.” E na verdade a idéia era essa, botar um crioulão, mostrar que existe até hoje o racismo. E ele adora aquela cena até hoje.


EE – Depois do “Giselle” vocês fizeram “O Seqüestro” e aí a Vidya... Foi o último filme da Vidya?...

CM – Um dia o Victor di Mello veio, jogou pra mim em cima da mesa, olha, Mossy, o nosso próximo filme. O seqüestro de Carlinhos. Pô, me intrigou, me entusiasmou sobremaneira. “Vamos fazer!”. E a gente então trabalhou em cima. Chamamos o Valério Meinel, falecido, pra trabalhar em cima do roteiro. Chamamos os melhores atores da época. O Jorge Dória, o Otávio Augusto, Adriano Reys... porra, uma constelação, eu, Milton Moraes. E transformamos o filme, filmamos tudo em estúdio, praticamente. Eu quis fazer, produzir alguma coisa depois do “Ódio”, que não deu certo, infelizmente. Eu quis fazer alguma coisa sobre o seqüestro e foi um sucesso relativo também, acredito que pela própria publicidade que eu criei, que é minha culpa, uma publicidade muito instigante, muito forte demais. Na televisão aparecia a criança, o rosto da criança, o Carlinhos, se aproximando e ele [com voz de criança] “não, não, não faz isso comigo, não faz isso comigo não!!”. E a mãe [com voz de mãe] “meu filho, Carlinhos, não, não!!” Isso deve ter assustado muito. Eu extrapolei o limite, até publicidade tem seu limite. Isso assustou muito as mulheres, não tanto os homens. E o cinema você tem que fazer pra mulher, porque é a mulher que traz o homem para o cinema. Então existe esse lado também, muito importante comercialmente falando. Mas eu extrapolei num filme que fez um sucesso relativo apesar de ser um filme muito bom, tecnicamente, altamente... É muito bom, muito bom mesmo. Uma pena, não passar o filme na televisão aberta.


EE – E depois vocês ainda fizeram mais um filme, que foi...

CM – Depois de “O Seqüestro” nós fizemos “Os Paspalhões em Pinóquio 2000”, que é um filme censura livre. E os efeitos especiais foram feitos em Los Angeles. Eu mandei o Victor Lima, não o Victor di Mello, o Victor Lima, da época da chanchada. Ele foi terminar o trabalho e morreu lá de uremia, eu tive que substitui-lo, tivemos que esperar lá durante duas, três semanas pra fazer a finalização dos efeitos especiais. O filme por isso pode ter se atrasado. Também, acredito, “Os Trapalhões”, o Didi, fizeram força para que o filme não fosse exibido, com o Luis Severiano Ribeiro, pra não entrar em atrito, em concorrência. Bobagem... Custou caríssimo e sei que ficou inédito. Nunca foi exibido no cinema porque nos quebrou. O que quebrou a Vidya foi exatamente a não-exibição desse filme. O Luis Severiano Ribeiro não quis exibir o filme porque atrasou, apesar de ter passado em 70 cinemas o trailler, tava tudo certo, atrasou em função da morte do Victor Lima, fui substituir pra fazer, aí não deu. Aí tentamos com a Embrafilme, e a Embrafilme também não conseguiu exibir o filme porque havia do outro lado, acredito eu, o lado antagônico, da imaginativa concorrência dos “Trapalhões”, que eram contra. Então, não foi exibido. Foi exibido no Canal Brasil, no cinema o filme é inédito.

EE – Quando vocês quebraram, o que aconteceu? Como foi o teu movimento profissional, o que você resolveu fazer, o que você fez nesse período?

CM – Bom, quando quebrou a Vidya, quebrou o Carlo Mossy. Quando eu falo quebrar Carlo Mossy, quebrou o Carlo Mossy em todos os níveis, em todos os conceitos. Porque ao me deparar sem minha produtora, ter que vender meu instrumento de trabalho pra Tycoon, pro Jece Valadão, pagar dívidas, banco, aí eu vi o meu mundo cair. Mais do que meu irmão, que na verdade trabalhava na matemática, da administração. Eu, artista, vi desmoronar o mundo. E eu não soube por um tempo o que fazer. Aí eu me associei à minha mulher naquela época, a Rosana, e criamos a Liberty, e vendemos, confeccionamos roupas esportivas. Funcionou muito bem por três, quatro anos. Chegou o Plano Verão e nos quebrou. Eu tive que vender um apartamento, para poder pagar as dívidas. Então surgiu a Actor´s Studios do Brasil, que eu criei, para fazer filmes pornográficos. Dirigir e produzir. Simplesmente fiquei na produção e na direção, veja bem que coisa interessante, produzi oito filmes, dirigi oito filmes, a chamada coleção “Giselle H.”, que vem a ser hoje em algumas locadoras um must. Eu chamei um cara, o Clóvis. O Clóvis tem 25 centímetros de pênis. É um crioulão fantástico, gente fina, mora em São Paulo, é conhecido como “o tripé paulista”. Fantástico, impressionante, impressiona qualquer pessoa. E eu trouxe então pra ser meu ator, nos meus filmes.

EE – Você assinou com o pseudônimo “Gisele H”?

CM – Não, Carlo Mossy. O filme era “Giselle H.”, coordenação geral, Carlo Mossy. Eu nunca fugi, não tive medo. Eu sempre assumi a condição de Carlo Mossy, sempre. Coordenação geral, Carlo Mossy. Eu abri uma distribuidora, chamada “Actor´s Studio”, que eu vendia, para o Brasil todo, via sedex. O cara comprava em Roraima, pagava na hora, e eu recebia quinze dias depois. Pô, era uma loucura. Comprei três apartamentos. Hoje eu até faria de novo. Gostaria de fazer um filme pornográfico musical. Pornográfico musical. Pornográfico, erótico, pornográfico musical. Porque eu acho que o diretor tem que saber de tudo, tem que mexer com tudo. O diretor que vai dirigir um filme policial tem que conhecer os bastidores da bandidagem, adentrar numa delegacia de subúrbio, conhecer um bandido, conhecer uma puta, tem que ter tido uma gonorréia. Como é que o cara vai fazer um filme sobre prostituta sem ter pego uma só gonorréia?

EE – E depois de “Giselle H.”, Mossy?

CM – E depois do “Giselle H.” o que que eu fiz? Eu não fiz nada, eu me separei da minha mulher. Estive muito mal, pensei em me suicidar. O suicídio é uma coisa que todo ser humano pensa. Porque é uma forma de covardia, fugir da realidade... Eu realmente amei muito uma mulher, a mãe das minhas duas filhas. Loucamente. Ela provavelmente não sabe o significado dessa paixão. Separamos porque eu tive que separar, não tem culpado nessa parada. Loucamente, você sabe?, você não tem idéia. Para um cara como eu pensar em morrer, você pode imaginar a dimensão da paixão. Então eu achava que nada ia acontecer mais, sem ela. Ninguém ia me coçar as costas, ninguém ia me olhar daquele jeito, iria falar, iria transar comigo daquele jeito. Não ia cuidar, não ia ver mais as minhas coisas. Ela me transformou, depois disso aí eu me suicidei financeiramente. E esse hiato transformou-se em oito anos, nove anos de vida inútil. E hoje, de um ano pra cá, reiniciei, sobrevivi, ressuscitei com todas as coisas que aconteceram. Me chamaram para fazer um filme. Hoje eu já acho uma babaquice incrível. Pode até ser que eu volte um dia a pensar “porra, acabar comigo”. Eu sou... eu sou um suicida em potencial. Eu gosto dessa história de ser suicida. Acho corajoso, acho lindo falar sobre a eutanásia, eu me amarro nesses assuntos. Tanto que nesse meu projeto, esse meu longa, ele é basicamente o suicídio de um homem, cineasta, frustrado e decadente. Esse é o tema, na verdade. De um cara cansado, de não ter tido a oportunidade de ter feito alguma coisa a mais. E que clama por trabalho. Só isso. Simples. E que clama por trabalho. Então, depois de “Giselle H.”, esse meu hiato existencial, muito profundo, no qual eu amadureci, sobremaneira. Hoje eu sou um cara hiper-maduro, entendo as coisas, vejo as coisas com mais clareza e tento voltar a fazer cinema. Cinema.
EE – Mossy, e o seu cinema na posteridade, como você encara isso?

CM – Olha, se vocês gostam do filme “Ódio”, de “Giselle”, e falam tão bem hoje, e estamos ainda na modernidade, estamos contemporâneos, atuais... Se alguns jovens gostam, ao Canal Brasil eu tenho que agradecer sobremaneira, porque o Canal Brasil ressuscitou um pouco o meu cinema. Agora, não tenha dúvida que algum dos meus filmes, nem todos, poucos dos meus filmes, ficarão, ficarão sim, resguardados como um bom cinema, um cinema interessante. Um cinema num momento interessante, onde houve uma ditadura, onde houve uma transição político-sexual, uma transição cultural. Eles representaram alguma coisa. E eu gostaria de permanecer. Logicamente, meu lado vaidoso, meu lado artístico, gostaria. Porque provaria que eu fiz pelo menos alguma coisa com intenção de ficar. Mas acredito que pelo menos uma meia dúzia, como o “Ódio”, o “Giselle”, “Com as calças na mão”, “Essa gostosa brincadeira a dois”, “Quando as mulheres querem provas”... Quase todos eles, de uma forma ou outra, vão ser reverenciados, pelo pequeno público. Nunca o grande. Porque, com o tempo, longe dos olhos, longe do coração. Vão ser reverenciados por pessoas que vão ter acesso e gostarão nos cineclubes. Os meus filmes fazem parte do futuro, mas para pessoas descomprometidas e capazes de criticá-los também, de uma forma honesta e correta.

1965 - Fantasio(Alfred de Musset)

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