BIOGRAFIA,Luís de Camões PARTE 02


Luís de Camões PARTE 02

                               Aparência, carácter, amores e iconografia

Os testemunhos dos seus contemporâneos descrevem-no como um homem de porte mediano, com um cabelo loiro arruivado, cego do olho direito, hábil em todos os exercícios físicos e com uma disposição temperamental, custando-lhe pouco engajar-se em brigas. Diz-se que tinha grande valor como soldado, exibindo coragem, combatividade, senso de honra e vontade de servir, bom companheiro nas horas de folga, liberal, alegre e espirituoso quando os golpes da fortuna não lhe abatiam o espírito e entristeciam. TinhaTodos os esforços feitos no sentido de se descobrir a identidade definitiva da sua musa foram vãos e várias propostas contraditórias foram apresentadas sobre supostas mulheres presentes na sua vida. O próprio Camões sugeriu, num dos seus poemas, que houve várias musas a inspirá-lo, ao dizer "em várias flamas variamente ardia".  Nomes de damas supostas como suas amadas só constam primitivamente nos seus poemas, e podem pois ser figuras ideais; nenhuma menção a quaisquer damas identificáveis pelo nome é dada nas primeiras biografias do poeta, as de Pedro de Mariz e a de Severim de Faria, que apenas recolheram boatos sobre "uns amores no Paço da Rainha". consciência do seu mérito como homem, como soldado e como poeta.

A citação de Catarina de Ataíde só surgiu na edição das Rimas de Faria e Sousa, em meados do século XVII, e a da Infanta, na de José Maria Rodrigues, que só foi publicada no início do século XX. A decantada Dinamene também parece ser uma imagem poética antes do que uma pessoa real. Ribeiro propôs várias alternativas para explicá-la: o nome talvez fosse um criptónimo de Dona Joana Meneses (D.I.na = D.Ioana + Mene), um de seus possíveis amores, que morrera a caminho das Índias e fora sepultada no mar, filha de Violante, condessa de Linhares, a quem também teria amado ainda em Portugal, e apontou a ocorrência do nome Dinamene em poemas escritos provavelmente em torno da chegada à Índia, antes de ter passado à China, onde se diz que teria encontrado a moça. Também referiu a opinião de pesquisadores que alegam a menção de Couto, a única referência primitiva à chinesa fora da própria obra camoniana, ter sido falsificada, sendo introduzida a posteriori, com a possibilidade de que se trate ainda de um erro de ortografia, uma corruptela de "dignamente". Na versão final do manuscrito de Couto, o nome nem teria sido citado, ainda que a comprovação seja difícil com o desaparecimento do manuscrito. 
Provavelmente executado entre 1573 e 1575, o chamado "retrato pintado a vermelho", ilustrado na abertura do artigo, é considerado por Vasco Graça Moura como "o único e precioso documento fidedigno de que dispomos para conhecer as feições do épico, retratado em vida por um pintor profissional" . O que se conhece desse retrato é uma cópia, feita a pedido do 3º duque de Lafões, executada por Luís José Pereira de Resende entre 1819 e 1844, a partir do original que foi encontrado num saco de seda verde nos escombros do incêndio do palácio dos Condes da Ericeira, Marqueses de Louriçal, e que entretanto desapareceu.

É uma "fidelíssima cópia" que,

"pelas dimensões restritas do desenho, a textura da sanguínea, criando manchas de distribuição dos valores, o rigor dos contornos e a definição dos planos contrastados, o neutro reticulado que harmoniza o fundo e faz ressaltar o busto do retratado, o tipo da barra envolvente nos limites da qual corre em baixo a esclarecedora assinatura, enfim, o aparato simbólico da imagem, captada em pose de ilustração gráfica de livro, se devia destinar à abertura de uma gravura a buril sobre chapa cúprica, para ilustração de uma das primeiras edições de Os Lusíadas". 
Sobreviveu também uma miniatura pintada na Índia em 1581, por encomenda de Fernão Teles de Meneses e oferecida ao vice-rei Dom Luís de Ataíde, que, segundo testemunhos de época, era muito semelhante à sua aparência.  Outro retrato foi encontrado nos anos 1970 por Maria Antonieta de Azevedo, datado de 1556 e mostrando o poeta na prisão.  A primeira medalha com sua efígie apareceu em 1782, mandada cunhar pelo Barão de Dillon na Inglaterra, onde Camões figura coroado de louros e vestido em cota de armas, com a inscrição "Apollo Portuguez / Honra de Hespanha / Nasceo 1524 / Morreo 1579". Em 1793, uma reprodução desta medalha foi cunhada em Portugal, por ordem de Tomás José de Aquino, Bibliotecário da Real Mesa Censória.

Ao longo dos séculos a imagem de Camões foi representada inúmeras vezes em gravura, pintura e escultura, por artistas portugueses e estrangeiros, e vários monumentos foram erguidos em sua honra,  destacando-se o grande Monumento a Camões instalado em 1867 na Praça Luís de Camões, em Lisboa, de autoria de Victor Bastos, e que é o centro de cerimónias públicas oficiais e manifestações populares.  Também foi homenageado em composições musicais, apareceu com sua efígie em medalhas, ] cédulas monetárias, ] selos  e moedas,  e como personagem em romances, poesias e peças teatrais.  O filme Camões, realizado por José Leitão de Barros, foi a primeira película portuguesa a participar do Festival de Cannes, em 1946.  Entre os artistas célebres que o tomaram como modelo para suas obras se contam Bordalo Pinheiro,  José Simões de Almeida,  Francisco Augusto Metrass, António Soares dos Reis, Horace Vernet, José Malhoa, Vieira Portuense,  Domingos Sequeira  e Lagoa Henriques.  Uma cratera no planeta Mercúrio e um asteróide da cintura principal receberam o seu nome.

 Obra
                                                    Contexto
Camões viveu na fase final do Renascimento europeu, um período marcado por muitas mudanças na cultura e sociedade, que assinalam o final da Idade Média e o início da Idade Moderna e a transição do feudalismo para o capitalismo. Chamou-se "renascimento" em virtude da redescoberta e revalorização das referências culturais da Antiguidade Clássica, que nortearam as mudanças deste período em direção a um ideal humanista e naturalista que afirmava a dignidade do homem, colocando-o no centro do universo, tornando-o o investigador por excelência da natureza, e privilegiando a razão e a ciência como árbitros da vida manifesta.  Nesse período foram inventados diversos instrumentos científicos e foram descobertas diversas leis naturais e entidades físicas antes desconhecidas; o próprio conhecimento da face do planeta modificou-se depois dos descobrimentos das grandes navegações. O espírito de especulação intelectual e pesquisa científica estava em alta, fazendo com que a Física, a Matemática, a Medicina, a Astronomia, a Filosofia, a Engenharia, a Filologia e vários outros ramos do saber atingissem um nível de complexidade, eficiência e exatidão sem precedentes, o que levou a uma conceção otimista da história da humanidade como uma expansão contínua e sempre para melhor.  De certa forma, a Renascença foi uma tentativa original e eclética de harmonização do Neoplatonismo pagão com a religião cristã, do eros com a charitas, junto com influências orientais, judaicas e árabes, e onde o estudo da magia, da astrologia e do ocultismo não estavam ausentes.  Foi também a época em que se começaram a criar fortes Estados nacionais, o comércio e as cidades se expandiram e a burguesia se tornou uma força de grande importância social e económica, contrastando com o relativo declínio da influência da religião nos assuntos do mundo.

No século XVI, época em que Camões viveu, a influência do Renascimento italiano expandiu-se por toda a Europa. Porém, várias das suas características mais típicas estavam a entrar em declínio, em particular por causa de uma série de disputas políticas e guerras que alteraram o mapa político europeu, perdendo a Itália o seu lugar como potência, e da cisão do Catolicismo, com o surgimento da Reforma Protestante. Na reação católica, lançou-se a Contra-Reforma, reativou-se a Inquisição e reacendeu-se a censura eclesiástica. Ao mesmo tempo, as doutrinas de Maquiavel se tornavam largamente difundidas, dissociando a ética da prática do poder. O resultado foi a reafirmação do poder da religião sobre o mundo profano e a formação de uma atmosfera espiritual, política, social e intelectual agitada, com fortes doses de pessimismo, repercutindo desfavoravelmente sobre a antiga liberdade de que gozavam os artistas. Apesar disso, as aquisições intelectuais e artísticas da Alta Renascença que ainda estavam frescas e resplandeciam diante dos olhos não poderiam ser esquecidas de pronto, mesmo que o seu substrato filosófico já não pudesse permanecer válido diante dos novos factos políticos, religiosos e sociais. A nova arte que se fez, ainda que inspirada na fonte do classicismo, traduziu-o em formas inquietas, ansiosas, distorcidas, ambivalentes, apegadas a preciosismos intelectualistas, características que refletiam os dilemas do século e definem o estilo geral dessa fase como maneirista.

Desde meados do século XV que Portugal se afirmara como uma grande potência naval e comercial, desenvolviam-se as suas artes e fervia o entusiasmo pelas conquistas marítimas. O reinado de Dom João II foi marcado pela formação de um sentimento de orgulho nacional, e no tempo de Dom Manuel I, como dizem Spina & Bechara, o orgulho havia cedido ao delírio, à pura euforia da dominação do mundo. No início do século XVI Garcia de Resende lamentava-se de que não houvesse quem pudesse celebrar dignamente tantas façanhas, afirmando que havia material épico superior ao dos romanos e troianos. Preenchendo esta lacuna, João de Barros escreveu a sua novela de cavalaria, A Crónica do Imperador Clarimundo (1520), em formato de épico. Pouco depois apareceu António Ferreira, instalando-se como mentor da geração classicista e desafiando os seus contemporâneos a cantarem as glórias de Portugal em alto estilo. Quando Camões surgiu, o terreno estava preparado para a apoteose da pátria, uma pátria que havia lutado encarniçadamente para conquistar a sua soberania, primeiro dos mouros e depois de Castela, havia desenvolvido um espírito aventureiro que a levara pelos oceanos afora, expandindo as fronteiras conhecidas do mundo e abrindo novas rotas de comércio e exploração, vencendo exércitos inimigos e as forças hostis da natureza.  Mas nesta altura, porém, a crise política e cultural já se anunciava, materializando-se logo após a sua morte, quando o país perdeu a sua soberania para Espanha.

Visão geral
A produção de Camões divide-se em três géneros: o lírico, o épico e o teatral. A sua obra lírica foi desde logo apreciada como uma alta conquista. Demonstrou o seu virtuosismo especialmente nas canções e elegias, mas as suas redondilhas não lhes ficam atrás. De facto, foi um mestre nesta forma, dando uma nova vida à arte da glosa, instilando nela espontaneidade e simplicidade, uma delicada ironia e um fraseado vivaz, levando a poesia cortesã ao seu nível mais elevado, e mostrando que também sabia expressar com perfeição a alegria e a descontração. A sua produção épica está sintetizada n'Os Lusíadas, uma alentada glorificação dos feitos portugueses, não apenas das suas vitórias militares, mas também a conquista sobre os elementos e o espaço físico, com recorrente uso de alegorias clássicas. A ideia de um épico nacional existia no seio português desde o século XV, quando se iniciaram as navegações, mas coube a Camões, no século seguinte, materializá-la. Nas suas obras dramáticas procurou fundir elementos nacionalistas e clássicos.Provavelmente se tivesse permanecido em Portugal, como um poeta cortesão, jamais teria atingido a maestria da sua arte. As experiências que acumulou como soldado e navegador enriqueceram sobremaneira a sua visão de mundo e excitaram o seu talento. Através delas conseguiu livrar-se das limitações formais da poesia cortesã e as dificuldades por que passou, a profunda angústia do exílio, a saudade da pátria, impregnaram indelevelmente o seu espírito e comunicaram-se à sua obra, e dali influenciaram de maneira marcante as gerações seguintes de escritores portugueses. Os seus melhores poemas brilham exatamente pelo que há de genuíno no sofrimento expresso e na honestidade dessa expressão, e este é um dos motivos principais que colocam a sua poesia em um patamar tão alto.

As suas fontes foram inúmeras. Dominava o latim e o espanhol, e demonstrou possuir um sólido conhecimento da mitologia greco-romana, da história antiga e moderna da Europa, dos cronistas portugueses e da literatura clássica, destacando-se autores como Ovídio, Xenofonte, Lucano, Valério Flaco, Horácio, mas especialmente Homero e Virgílio, de quem tomou vários elementos estruturais e estilísticos de empréstimo e às vezes até trechos em transcrição quase literal. De acordo com as citações que fez, também parece ter tido um bom conhecimento de obras de Ptolomeu, Diógenes Laércio,Plínio, o Velho, Estrabão e Pompónio, entre outros historiadores e cientistas antigos. Entre os modernos, estava a par da produção italiana de Francesco Petrarca, Ludovico Ariosto, Torquato Tasso, Giovanni Boccaccio e Jacopo Sannazaro, e da literatura castelhana. Para aqueles que consideram o Renascimento um período histórico homogéneo, informado pelos ideais clássicos e que se estende até o fim do século XVI, Camões é pura e simplesmente um renascentista, mas de modo geral reconhece-se que o século XVI foi amplamente dominado por uma derivação estilística chamada Maneirismo, que em vários pontos é uma escola anticlássica e de várias formas prefigura o Barroco. Assim, para vários autores, é mais adequado descrever o estilo camoniano como maneirista, distinguindo-o do classicismo renascentista típico. Isso se justifica pela presença de vários recursos de linguagem e de uma abordagem dos seus temas que não estão concordes às doutrinas de equilíbrio, economia, tranquilidade, harmonia, unidade e invariável idealismo que são os eixos fundamentais do classicismo renascentista. Camões, depois de uma fase inicial tipicamente clássica, transitou por outros caminhos e a inquietude e o drama se tornaram seus companheiros.

Por todo Os Lusíadas são visíveis os sinais de uma crise política e espiritual, permanece no ar a perspectiva do declínio do império e do carácter dos portugueses, censurados por maus costumes e pela falta de apreço pelas artes, alternando-se a trechos em que faz a sua apologia entusiasmada. Também são típicos do Maneirismo, e se tornariam ainda mais do Barroco, o gosto pelo contraste, pelo arroubo emocional, pelo conflito, pelo paradoxo, pela propaganda religiosa, pelo uso de figuras de linguagem complexas e preciosismos, até pelo grotesco e pelo monstruoso, muitos deles traços comuns na obra camoniana.
O carácter maneirista da sua obra é assinalado também pelas ambiguidades geradas pela ruptura com o passado e pela concomitante adesão a ele, manifesta a primeira na visualização de uma nova era e no emprego de novas fórmulas poéticas oriundas de Itália, e a segunda, no uso de arcaísmos típicos da Idade Média. Ao lado do uso de modelos formais renascentistas e classicistas, cultivou os géneros medievais do vilancete, da cantiga e da trova. Para Joaquim dos Santos, o carácter contraditório da sua poesia encontra-se no contraste entre duas premissas opostas: o idealismo e a experiência prática. Conjugou valores típicos do racionalismo humanista com outros derivados da cavalaria, das cruzadas e do feudalismo, alinhou a constante propaganda da fé católica com a mitologia antiga, responsável no plano estético por toda a ação que materializa a realização final, descartando a aurea mediocritas cara aos clássicos para advogar a primazia do exercício das armas e da conquista gloriosa.

  Os Lusíadas
Os Lusíadas é considerada a epopeia portuguesa por excelência. O próprio título já sugere as suas intenções nacionalistas, sendo derivado da antiga denominação romana de Portugal, Lusitânia. É um dos mais importantes épicos da época moderna devido à sua grandeza e universalidade. A epopeia narra a história de Vasco da Gama e dos heróis portugueses que navegaram em torno do Cabo da Boa Esperança e abriram uma nova rota para a Índia. É uma epopeia humanista, mesmo nas suas contradições, na associação da mitologia pagã à visão cristã, nos sentimentos opostos sobre a guerra e o império, no gosto do repouso e no desejo de aventura, na apreciação do prazer sensual e nas exigências de uma vida ética, na percepção da grandeza e no pressentimento do declínio, no heroísmo pago com o sofrimento e luta.  O poema abre com os célebres versos:
As armas e os barões assinalados
Que, da ocidental praia lusitana,
Por mares nunca de antes navegados
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo reino, que tanto sublimaram.
.....
Cantando espalharei por toda a parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte    
— Os Lusíadas, Canto I

A estrutura da obra é por si digna de interesse, pois, segundo Jorge de Sena, nada é arbitrário n' Os Lusíadas. Entre os argumentos que apresentou foi o emprego da secção áurea, uma relação definida entre as partes e o todo, organizando o conjunto através de proporções ideais que enfatizam passagens especialmente significativas. Sena demonstrou que ao aplicar-se a secção áurea a toda a obra recai-se, precisamente, no verso que descreve a chegada dos portugueses à Índia. Aplicando-se a secção em separado às duas partes resultantes, na primeira parte surge o episódio que relata a morte de Inês de Castro e, na segunda, a estrofe que narra o empenho de Cupido para unir os portugueses e as ninfas, o que para Sena reforça a importância do amor em toda a composição.  Dois outros elementos dão a' Os Lusíadas a sua modernidade e distanciam-no do classicismo: a introdução da dúvida, da contradição e do questionamento, em desacordo com a certeza afirmativa que caracteriza o épico clássico, e a primazia da retórica sobre a ação, substituindo o mundo dos factos pelo das palavras, as quais não resgatam totalmente a realidade e evoluem para a metalinguagem, com o mesmo efeito disruptivo sobre a epopeia tradicional.

Segundo Costa Pimpão, não há qualquer evidência de que Camões pretendesse escrever o seu épico antes de ter viajado à Índia, embora temas heróicos já estivessem presentes na sua produção anterior. É possível que tenha retirado alguma inspiração de fragmentos das Décadas da Ásia, de João de Barros, e da História do Descobrimento e Conquista da Índia pelos Portugueses, de Fernão Lopes de Castanheda. Sobre a mitologia clássica estava com certeza bem informado antes disso, igualmente quanto à literatura épica antiga. Aparentemente, o poema começou a tomar forma já em 1554. Storck considera que a determinação de escrevê-lo nasceu durante a própria viagem marítima. Entre 1568 e 1569 foi visto em Moçambique pelo historiador Diogo do Couto, seu amigo, ainda a trabalhar na obra, que só veio à luz em Lisboa, em 1572.
O sucesso da publicação d'Os Lusíadas supostamente obrigara a uma segunda edição no mesmo ano da edição princeps. As duas diferem em inúmeros detalhes e foi longamente debatido qual delas seria de facto a original. Tampouco é claro a quem se devem as emendas do segundo texto. Atualmente reconhece-se como original a edição que mostra a marca do editor, um pelicano, com o pescoço voltado para a esquerda, e que é chamada edição A, realizada sob a supervisão do autor.


 Entretanto, a edição B foi por muito tempo tomada como a princeps, com consequências desastrosas para a análise crítica posterior da obra. Aparentemente a edição B foi produzida mais tarde, em torno de 1584 ou 1585, de maneira clandestina, levando a data fictícia de 1572 para contornar as delongas da censura da época, se fosse publicada como uma nova edição, e corrigir os graves defeitos de uma outra edição de 1584, a chamada edição Piscos.  Contudo, Maria Helena Paiva levantou a hipótese de que as edições A e B sejam apenas variantes de uma mesma edição, que foi sendo corrigida após a composição tipográfica, mas enquanto a impressão já estava em andamento. De acordo com a pesquisadora, "a necessidade de tirar o máximo partido da prensa levava a que, concluída a impressão de uma forma, que constava de vários fólios, fosse tirada uma primeira prova, que era corrigida enquanto a prensa continuava, agora com o texto corrigido. Havia, por isso, fólios impressos não corrigidos e fólios impressos corrigidos, que eram agrupados indistintamente no mesmo exemplar", fazendo com que não existissem dois exemplares rigorosamente iguais no sistema de imprensa daquela época. 

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