O MANIACO DA PRAIA
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junho 30, 2012
O Maníaco da Praia
Praia do Cassino, em Rio Grande, litoral do Rio Grande do Sul.
Ao longo dos 80 quilômetros da mais extensa praia do mundo só existe iluminação pública em um pequeno trecho ao redor da estátua de Iemanjá. Casais enamorados aproveitam o escurinho, o embalo romântico do som das ondas do mar e o clima de balneário e fazem da orla da Praia do Cassino, na cidade do Rio Grande, a quatro horas de Porto Alegre, um comprido motel a céu aberto. Em períodos de férias, forma-se uma fila de carros, vidros fechados e embaçados pela respiração excitada dos ocupantes. No verão de 1999, o sossego dos amantes acabou. Entre dezembro e março, cinco casais foram atacados por um homem armado de pistola. Apenas um escapou ileso. Ao todo, sete pessoas morreram. Uma estudante de 14 anos, baleada na nuca e estuprada, sobreviveu, mas ficou tetraplégica.
Em maio de 1999, a polícia ouviu a confissão do homem responsável pela série de assassinatos. O pescador Paulo Sérgio Guimarães da Silva deixou os policiais estarrecidos com o relato dos crimes. Seu objetivo, segundo contou, era superar, em número de mortes, Francisco de Assis Pereira, o maníaco que estuprou e matou dez mulheres no Parque do Estado, em São Paulo, no ano passado. Só não atingiu a meta porque foi preso antes. "O Sul precisava de um maníaco", afirmou, com uma frieza surpreendente. "Eu sou o maníaco do Sul, quero ser mais famoso do que o motoboy paulista." Paulo Sérgio começou a matar inspirado nas notícias a respeito do maníaco do parque, mas, diferentemente de seu ídolo, não violentava as vítimas. A única exceção parece ser a menor B.N.G., a estudante sobrevivente, que contou ter sido estuprada. "Eu ouvia uma voz me mandando matar", conta o rapaz, na época com 29 anos, nascido num vilarejo de praia vizinho a Rio Grande.
Adriana
Pistola na cabeça – Um dos crimes que o maníaco gaúcho relatou à polícia foi o assassinato do vendedor Silvio Luiz Kleinberg, de 36 anos, e da professora Adriana Nogueira Simões, de 28. Silvio era casado e estava viajando a trabalho. Conheceu Adriana no dia 25 de março na cidade de Rio Grande. À noite foram para beira-mar no Corsa bordô do rapaz. Enquanto faziam sexo, o maníaco apareceu por sobre as dunas de vegetação rasteira que rodeiam a praia. Pelo vidro embaçado, apontou uma pistola Taurus 7.65. Identificou-se como policial e mandou o casal colocar as roupas. Em seguida, entrou no carro e sentou no banco de trás com a arma apontada para a cabeça do vendedor. Ao perceber que Silvio o observava pelo retrovisor, irritou-se e quebrou o espelho. Depois ordenou que ele dirigisse até uma estrada de terra. Ali, amarrou as mãos do vendedor com o cadarço do sapato e o colocou no porta-malas. Retornou com o carro à praia e, novamente, fez os dois descer e se deitar na areia. "Pelo amor de Deus, não nos mate", gritavam Adriana e Silvio, segundo o depoimento do assassino à polícia. Foi em vão. Silvio levou três tiros. Adriana, dois.
Silvio
Foi assim, baleados e estirados com o rosto virado para a areia, que a polícia os encontrou na manhã seguinte. Quando os policiais chegaram, um grupo de curiosos se reuniu em volta para acompanhar o trabalho de perícia. Entre eles estava o matador, Paulo Sérgio. Esse é o aspecto mais surpreendente no comportamento do maníaco gaúcho: ele matava basicamente para saborear as notícias e os comentários a respeito de seus crimes. Naquele dia, depois de liquidar Silvio e Adriana, ele chegou à pequena casa de madeira bege que dividia com o irmão e a cunhada ao amanhecer. Tomou banho, lavou as roupas sujas de sangue e ligou o rádio para ouvir as notícias policiais. Soube que a polícia investigava a morte de mais um casal na praia e decidiu ir ao local do crime. Ou melhor, voltar. Ali, incógnito entre os curiosos, acompanhou o trabalho da perícia. Quando os policiais cobriram os cadáveres com sacos de plástico preto, ele chegou a comentar: "Vai ver que o assassino ainda está por aqui". Tudo isso ele próprio contou depois de preso.
O corpo de duas das vítimas na areia da praia: numa das perícias, o assassino estava entre os curiosos
Paulo Sérgio, o "motoboy do Sul", teve infância e adolescência marcadas por maus-tratos e uma família desestruturada. "Certa vez, a mãe bateu tanto nele com uma tábua que o menino ficou todo roxo, de molho em uma bacia com água quente", conta a avó Marina Maria Jesus da Silva, 79 anos. A mãe, Neuza Maria Guimarães da Silva, hoje com 51 anos, abandonou a família quando Paulo Sérgio tinha 5 anos. Seu pai, que morreria de câncer dois anos mais tarde, colocou os quatro filhos num internato. Mais novo dos irmãos, Paulo Sérgio ficou na instituição por dois anos, mas não conseguia estudar. Até hoje não sabe nem assinar o nome. Havia alguns traços estranhos no seu comportamento. Fazia exercícios para aumentar os músculos e, quando não estava com os pescadores, passava horas ouvindo rádio e assistindo à TV. Adorava um filme da série Rambo em que o protagonista resgata presos de guerra no Vietnã. Durante algum tempo Paulo Sérgio chegou a usar uma fita na cabeça, calças camufladas e faca amarrada na perna. Uma de suas duas tatuagens mostra um dragão e a palavra "Vietinã", com a grafia incorreta. Ainda assim, a revelação de sua identidade como o assassino, surpreendeu os moradores de Rio Grande. Paulo Sérgio não bebia, não usava drogas e visitava a mãe e a avó regularmente. Às vezes, distribuía balas às crianças.
Com a namorada, Dalva, com quem pretendia casar: um rapaz normal que distribuía balas na vila
A História do maníaco da Praia do Cassino
Paulo Sérgio começou a cometer seus delitos ainda adolescente, época em que trabalhava como engraxate e pescador. Roubava objetos de pouco valor e andava armado. Certa vez, foi flagrado furtando um rádio e uma bússola de um barco por Manoel Jovita Vieira, morador da vila. Denunciado, Paulo Sérgio vingou-se atirando na barriga de Vieira. Foi condenado por tentativa de homicídio e ficou preso sete anos. Saiu em novembro de 1998, quando retomou a vida criminosa, agora como o Maníaco da Praia do Cassino. Ao ser preso, em vez de mostrar arrependimento, vangloriou-se de seus crimes. Contou que, ao assassinar o último casal, tinha uma única preocupação: restavam-lhe apenas nove balas. Era pouca munição para a lista de mais trinta pessoas que pretendia matar nos meses seguintes. A lista incluía o prefeito de Rio Grande, Wilson Branco, B.N.G., sobrevivente de seus ataques na praia, e o radialista Charles Saraiva, que cobre assuntos policiais na cidade e fazia reportagens sobre os crimes na Praia do Cassino. "Gastei algumas balas atirando em leões-marinhos na praia", disse aos policiais.
Para cometer a série de assassinatos na Praia do Cassino, Paulo Sérgio elegeu um tipo específico de vítimas: casais em pleno ato sexual. "São mais fáceis de matar", explicou. "A mulher é mais fraca e a tendência do homem é de não reagir para protegê-la." Em cada crime, o ritual era sempre parecido. Ele saía à noite para passear pela praia. Observava os casais dentro do carro e escolhia os automóveis mais bonitos para abordar. "Eu atacava os mais boyzinhos", diz. Identificada a vítima, aproximava-se rastejando. Na hora de matar, retirava as meias de uma das vítimas e as usava como luvas para não deixar impressões digitais. No primeiro ataque, em dezembro, matou os estudantes Felipe Martins dos Santos, 21 anos, e Bárbara de Oliveira da Silva, 22. "A primeira vez é sempre mais difícil", conta o maníaco. "Depois, é como uma partida de futebol: após fazer um gol, a gente faz dois, faz três..." No segundo, na madrugada de 4 de março, milagrosamente o casal escapou vivo. Eram uma menina de 15 anos e um rapaz de 23, que serviram de testemunhas e cujos nomes a polícia não revela. "Não matei porque não reagiram", explicou Paulo Sérgio. No mesmo mês, ele assassinou ainda Adriana e Silvio (o casal do Corsa bordô), Anamaria Xavier Soares, 31 anos, e Márcio Rodrigues Olinto, 30, e Petrick Castro de Almeida, de 18 anos. Petrick estava com a estudante sobrevivente. Foram as únicas vítimas que não tinham carro. "Eu estava passando por ali, vi eles deitados sem roupa na areia e decidi matá-los", resumiu o assassino.
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