Allan Kardec
Hippolyte Léon Denizard Rivail (Lyon, 3 de outubro de 1804 — Paris, 31 de março de 1869) foi um influente educador, autor e tradutor francês. Sob o pseudônimo de Allan Kardec, notabilizou-se como o codificador do Espiritismo (neologismo por ele criado), também denominado de Doutrina Espírita. Foi discípulo do reformador educacional Johann Heinrich Pestalozzi e um dos pioneiros na pesquisa científica sobre fenômenos paranormais (mais notoriamente a mediunidade), assuntos que antes costumavam ser considerados inadequados para uma investigação do tipo.
Adotou o seu pseudônimo para uma diferenciação da Codificação Espírita em relação aos seus anteriores trabalhos pedagógicos.
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BiografiaA juventude e a atividade pedagógica
Nascido numa antiga família de orientação católica com tradição na magistratura e na advocacia, desde cedo manifestou propensão para o estudo das ciências e da filosofia.
Fez os seus estudos na Escola de Pestalozzi, no Castelo de Yverdon, em Yverdon-les-Bains, na Suíça (país protestante),
tornando-se um dos seus mais distintos discípulos e ativo propagador de
seu método, que tão grande influência teve na reforma do ensino na França e naAlemanha.
Aos quatorze anos de idade já ensinava aos seus colegas menos
adiantados, criando cursos gratuitos. Aos dezoito, bacharelou-se em
Ciências e Letras.
Concluídos os seus estudos, o jovem Rivail retornou ao seu país natal. Profundo conhecedor da língua alemã, traduzia para este idioma diferentes obras de educação e de moral, com destaque para as obras de François Fénelon,
pelas quais manifestava particular atração. Conhecia a fundo os idiomas
francês, alemão, inglês e holandês, além de dominar perfeitamente os
idiomas italiano e espanhol.
Era
membro de diversas sociedades acadêmicas, entre elas o Instituto
Histórico de Paris e a Academia Real de Arras; esta última, em concurso
promovido em 1831, premiou-lhe uma memória com o tema "Qual o sistema de estudos mais de harmonia com as necessidades da época?".
A 6 de fevereiro de 1832 desposou Amélie Gabrielle Boudet. Em 1824, retornou a Paris e publicou um plano para aperfeiçoamento do ensino público. Após o ano de 1834, passou a lecionar, publicando diversas obras sobre educação, e tornou-se membro da Real Academia de Ciências Naturais
Como pedagogo, o jovem Rivail dedicou-se à luta para uma maior democratização do ensino público. Entre 1835 e 1840, manteve em sua residência, à rua de Sèvres, cursos gratuitos de Química, Física, Anatomia comparada, Astronomia e outros. Nesse período, preocupado com a didática, elaborou um manual de aritmética, que foi adotado por décadas nas escolas francesas, e um quadro mnemônico da História da França,
que visou facilitar ao estudante memorizar as datas dos acontecimentos
de maior expressão e as descobertas de cada reinado do país.
As
matérias que lecionou como pedagogo são: Química, Matemática,
Astronomia, Física, Fisiologia, Retórica, Anatomia Comparada e Francês .
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Das mesas girantes à Codificação
Conforme o seu próprio depoimento, publicado em Obras Póstumas, foi em 1854 que o Prof. Rivail ouviu falar pela primeira vez do fenômeno das "mesas girantes", bastante difundido à época, através do seu amigo Fortier, um magnetizador de longa data. Sem dar muita atenção ao relato naquele momento, atribuindo-o somente ao chamado magnetismo animal do qual era estudioso, só em maio de 1855 sua curiosidade se voltou efetivamente para as mesas, quando começou a frequentar reuniões em que tais fenômenos se produziam.
Durante este período, também tomou conhecimento do fenômeno da escrita mediúnica - ou psicografia,
e assim passou a se comunicar com os espíritos. Um desses espíritos,
conhecido como um "espírito familiar", passa a orientar os seus
trabalhos. Mais tarde, este espírito lhe informa que já o conhecia do
tempo das Gálias, com o nome de Allan Kardec. Assim, Rivail passa a
adotar este pseudônimo, sob o qual publicou as obras que sintetizam a Doutrina Espírita.6
Convencendo-se de que o movimento e as respostas complexas das mesas deviam-se à intervenção de espíritos,
Kardec dedicou-se à estruturação de uma proposta de compreensão da
realidade baseada na necessidade de integração entre os conhecimentos
científicos, filosóficos e moral, com o objetivo de lançar sobre o real
um olhar que não negligenciasse nem o imperativo da investigação
empírica na construção do conhecimento, nem a dimensão espiritual e
interior do homem.
Tendo iniciado a publicação das obras de Codificação em 18 de abril de 1857, quando veio à luz O Livro dos Espíritos, considerado como o marco de fundação do Espiritismo, após o lançamento da Revista Espírita (1 de janeiro de 1858),
fundou, nesse mesmo ano, a primeira sociedade espírita regularmente
constituída, com o nome de Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas.
Os últimos anos
Kardec
passou os anos finais da sua vida dedicado à divulgação do Espiritismo
entre os diversos simpatizantes, e defendê-lo dos opositores através da
Revista Espírita Ou Jornal de Estudos Psicológicos. Já com cerca de
oito milhões de seguidores,1 faleceu em Paris, a 31 de março de 1869, aos 64 anos de idade, em decorrência da ruptura de um aneurisma,
quando trabalhava numa obra sobre as relações entre o Magnetismo e o
Espiritismo, ao mesmo tempo em que se preparava para uma mudança de
local de trabalho. Está sepultado no Cemitério do Père-Lachaise, uma célebre necrópole da capital francesa. Junto ao túmulo, erguido como os dólmensdruídicos. Acima de sua tumba, seu lema: "Nascer, morrer, renascer ainda e progredir sem cessar, tal é a lei", em francês.
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Em seu sepultamento, seu amigo, o astrônomo francês Camille Flammarion proferiu o seguinte discurso, ressaltando a sua admiração por aquele que ali baixava ao túmulo: |
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Sobre Kardec, o engenheiro francês Gabriel Delanne escreveu:
Nas palavras do brasileiro Alexander Moreira-Almeida, coordenador da "Seção de Espiritualidade, Religiosidade e Psiquiatria" da Associação Mundial de Psiquiatria :
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Discurso pronunciado sobre o túmulo de Allan Kardec POR CAMILLE FLAMMARION Senhores, Aquiescendo com deferência ao convite simpático dos amigos do pensador laborioso, cujo corpo terrestre jaz agora aos nossos pés, lembro-me de um dia sombrio do mês de dezembro de 1865. Eu pronunciava, então, supremas palavras de adeus sobre a tumba do fundador da Librairie Académique, do honorável Didier, que foi, como editor, o colaborador convicto de Allan Kardec na publicação das obras fundamentais de uma doutrina que lhe era cara, e que morreu subitamente também, como se o céu quisesse poupar, a esses dois Espíritos íntegros, o embaraço filosófico de sair desta vida por um caminho diferente do caminho comumente recebido. – A mesma reflexão se aplica à morte de nosso antigo colega Jobard, de Bruxelas. |
Hoje, a minha tarefa é maior ainda, porque gostaria de poder representar, ao pensamento daqueles que me ouvem, e àqueles milhões de homens que no novo mundo estão ocupados com o problema ainda misterioso dos fenômenos denominados espíritas; – eu gostaria, disse eu, de poder representar-lhes o interesse científico e o futuro filosófico do estudo desses fenômenos (ao qual se entregaram, como ninguém ignora, homens eminentes entre os nossos contemporâneos). Gostaria de lhes fazer entrever quais horizontes desconhecidos ao pensamento humano verá se abrir diante deles, à medida que estenda o seu conhecimento positivo das forças naturais em ação ao nosso redor; mostrar-lhes que tais constatações são o antídoto mais eficaz da lepra do ateísmo, que parece atacar particularmente a nossa época de transição; e testemunhar, enfim, publicamente, aqui, do eminente serviço que o autor de O Livro dos Espíritos prestou à filosofia, chamando a atenção e a discussão sobre fatos que, até então, pertenciam ao domínio mórbido e funesto das superstições religiosas. |
Seria,
com efeito, um ato importante estabelecer aqui, diante desta tumba
eloqüente, que o exame metódico dos fenômenos espíritas, chamados
erradamente de sobrenaturais, longe de renovar o espírito supersticioso
e enfraquecer a energia da razão, ao contrário, afasta os erros e as
ilusões da ignorância, e serve melhor ao progresso do que a negação
ilegítima daqueles que não querem, de nenhum modo, dar-se ao trabalho
de ver. Mas não é aqui o lugar de abrir uma arena à discussão desrespeitosa. Deixemos somente descer, de nossos pensamentos, sobre a face impassível do homem deitado diante de nós, testemunhos de afeição e sentimentos de pesar, que restam ao redor dele em seu túmulo, como um embalsamamento do coração! E uma vez que sabemos que a sua alma eterna sobrevive a este despojo mortal, como lhe preexistiu; uma vez que sabemos que laços indestrutíveis ligam o nosso mundo visível ao mundo invisível; uma vez que esta alma existe hoje, tão bem como há três dias, e que não é impossível que ela não se encontre atualmente aqui diante de mim; dizemos-lhe que não quisemos ver se desvanecer a sua imagem corpórea e encerrá-la em seu sepulcro, sem honrar unanimemente os seus trabalhos e a sua memória, sem pagar um tributo de reconhecimento à sua encarnação terrestre, tão utilmente e tão dignamente cumprida. Eu exporei primeiro, num esboço rápido, as linhas principais de sua carreira literária. |
Morto
com a idade de 65 anos, Allan Kardec consagrara a primeira parte de sua
vida a escrever obras clássicas, elementares, destinadas sobretudo ao
uso de professores primários e da juventude. Quando, por volta de 1855,
as manifestações, em aparência novas, das mesas girantes, das pancadas
sem causa ostensiva, dos movimentos insólitos dos objetos e dos móveis,
começaram a atrair a atenção pública e determinaram mesmo, nas
imaginações aventurosas, uma espécie de febre devida à novidade das
experiências, Allan Kardec, estudando ao mesmo tempo o magnetismo e os
efeitos estranhos, seguiu com a maior paciência e uma judiciosa
clarividência as experiências e as tentativas tão numerosas feitas
então em Paris. Ele recolheu e pôs em ordem os resultados obtidos por
essa longa observação, e com isso compôs o corpo de doutrina publicado,
em 1857, na primeira edição de O Livro dos Espíritos. Sabeis todos que
sucesso acolheu essa obra, na França e no estrangeiro. Chegada hoje à
sua 15ª edição, difundiu em todas as classes esse corpo de doutrina
elementar, que não era, de nenhum modo, novo em sua essência, uma vez
que a escola de Pitágoras, na Grécia, e a dos druidas, em nossa pobre
Gália dela, ensinavam os princípios, mas que revestiam uma forma da
atualidade pela correspondência com os fenômenos. Depois dessa primeira obra, apareceram, sucessivamente, O Livro dos Médiuns ou Espiritismo experimental; – O que é o Espiritismo? ou resumo sob a forma de perguntas e de respostas; – O Evangelho Segundo o Espiritismo; – O Céu e o Inferno; – A Gênese; – e a morte veio surpreendê-lo no momento em que, em sua atividade infatigável, trabalhava numa obra sobre as relações do magnetismo e do Espiritismo.Pela Revista Espírita e a Sociedade de Paris, da qual era presidente, se constituíra, de alguma sorte, o centro para onde tudo tendia, o traço de união de todos os experimentadores. Há alguns meses, sentindo o seu fim próximo, preparou as condições de vitalidade desses mesmos estudos depois de sua morte, e estabeleceu a Comissão central que lhe sucede. |
Ele
levantou rivalidades; fez escola sob uma forma um pouco pessoal; há
ainda alguma divisão entre os "espiritualistas" e os "espíritas".
Doravante, Senhores, (tal é pelo menos o voto dos amigos da verdade),
deveremos estar todos reunidos por uma solidariedade confraternal,
pelos mesmos esforços para a elucidação do problema, pelo desejo geral
e impessoal do verdadeiro e do bem. Objetou-se, Senhores, ao nosso digno amigo, a quem rendemos hoje os derradeiros deveres, se lhe objetou de não ser, de nenhum modo, o que se chama um sábio, de não ter sido, primeiro, físico, naturalista ou astrônomo, e de ter preferido constituir um corpo de doutrina moral antes de haver aplicado a discussão científica à realidade e à natureza dos fenômenos. Talvez, Senhores, seja preferível que as coisas hajam começado assim. Não é necessário rejeitar sempre o valor do sentimento. Quantos corações foram consolados primeiro por esta crença religiosa! Quantas lágrimas foram secadas! Quantas consciências abertas ao raio da beleza espiritual! Nem todos são felizes neste mundo. Muitas afeições foram dilaceradas! Muitas almas foram entorpecidas pelo ceticismo. Não é, pois, nada senão de haver conduzido ao espiritualismo tantos seres que flutuavam na dúvida e que não amavam mais a vida, nem a física, nem a intelectual? Allan Kardec fora homem de ciência, e, sem dúvida, não teria podido prestar este primeiro serviço e difundi-lo, assim, ao longe, como um convite a todos os corações.Mas era o que eu chamarei simplesmente "o bom senso encarnado". Razão direita e judiciosa, aplicava sem esquecimento, à sua obra permanente, as indicações íntimas do senso comum. Não estava aí uma menor qualidade na ordem das coisas que nos ocupa. Era, pode-se afirmá-lo, a primeira de todas e a mais preciosa, sem a qual a obra não poderia se tornar popular, nem lançar as suas imensas raízes no mundo. A maioria daqueles que se entregaram a esses estudos, lembram-se de ter sido, em sua juventude, ou em certas circunstâncias especiais, testemunhas, eles mesmos, das manifestações inexplicadas; há poucas famílias que não hajam observado, em sua história, testemunhos dessa ordem. O primeiro ponto era aplicar-lhes a razão firme do simples bom senso e examiná-las segundo os princípios do método positivo. |
Como
organizador desse estudo lento e difícil, ele mesmo previu-o, esse
complexo estudo deve entrar agora em seu período científico. Os
fenômenos físicos sobre os quais não se insistiu de início, devem se
tornar o objeto da crítica experimental, à qual devemos a glória do
progresso moderno, e as maravilhas da eletricidade e do vapor; esse
método deve tomar os fenômenos de ordem ainda misteriosa, aos quais
assistimos, dissecá-los, medi-los, e defini-los. Porque, Senhores, o Espiritismo não é uma religião, mas é uma ciência, ciência da qual conhecemos apenas o a b c. O tempo dos dogmas acabou. A Natureza abarca o Universo, e, o próprio Deus, que se fez outrora à imagem do homem, não pode ser considerado pela metafísica moderna senão como um Espírito na Natureza. O sobrenatural não existe mais. As manifestações obtidas por intermédio dos médiuns, como as do magnetismo e do sonambulismo, são de ordem natural, e devem ser severamente submetidas ao controle da experiência. Não há mais milagres. Assistimos à aurora de uma ciência desconhecida. Quem poderia prever a quais conseqüências conduzirá, no mundo do pensamento, o estudo positivo dessa psicologia nova? Doravante, a ciência rege o mundo; e, Senhores, não será estranho a este discurso fúnebre anotar a sua obra atual e as induções novas que ela nos descobre, precisamente do ponto de vista de nossas pesquisas. |
Em
nenhuma época da história, a ciência desenvolveu, diante do olhar
admirado do homem, horizontes tão grandiosos. Sabemos agora que a Terra
é um astro, e que nossa vida atual se cumpre no céu. Pela análise da
luz, conhecemos os elementos que queimam no Sol e nas estrelas, a
milhões, a trilhões de léguas de nosso observatório terrestre. Pelo
cálculo, possuímos a história do céu e da Terra em seu passado
distante, como em seu futuro, que não existem pelas leis imutáveis.
Pela observação, pesamos as terras celestes que gravitam na amplidão. O
globo onde estamos se tornou um átomo estelar voando no espaço, em meio
das profundezas infinitas, e a nossa própria existência, sobre este
globo, tornou-se uma fração infinitesimal de nossa vida eterna. Mas o
que pode, a justo título, nos ferir mais vivamente ainda, é esse
espantoso resultado dos trabalhos físicos operados nestes últimos anos:
que vivemos em meio de um mundo invisível, agindo sem cessar ao nosso
redor. Sim, Senhores, aí está, para nós, uma revelação imensa.
Contemplai, por exemplo, a luz derramada nesta hora na atmosfera por
esse brilhante Sol, contemplai esse azul tão suave da abóboda celeste,
notai esses eflúvios de ar tíbio que vem acariciar os nossos rostos,
olhai esses monumentos e esta terra: pois bem! apesar dos nossos
grandes olhos abertos, não vemos o que se passa aqui! Sobre cem raios
emanados do Sol, só um terço é acessível à nossa visão, seja
diretamente, seja refletido por todos os corpos; os dois terços existem
e agem ao nosso redor, mas de maneira invisível, embora real. São
quentes, sem serem luminosos para nós e são, entretanto, mais ativos do
que aqueles que nos ferem, porque são eles que atraem as flores para o
lado do Sol, que produzem todas as ações químicas (1), e são eles
também que elevam, sob uma forma igualmente invisível, o vapor d'água
na atmosfera para formar as nuvens; – exercendo assim, incessantemente,
ao nosso redor, de maneira oculta e silenciosa, uma força colossal,
mecanicamente avaliável ao trabalho de bilhões de cavalos! (1) A nossa retina é insensível a esses raios; mas outras substâncias os vêem, por exemplo, o iodo e os sais de prata. Fotografou-se o espectro solar químico, que o nosso olho não vê. A placa do fotógrafo não oferece, de resto, jamais, nenhuma imagem visível ao sair da câmara escura, embora ela a possua, uma vez que uma operação a química faz aparecer. Se os raios caloríficos e os raios químicos que agem constantemente na Natureza são invisíveis para nós, é porque os primeiros não ferem com bastante rapidez a nossa retina, e porque os segundos a ferem muito rápido. O nosso olho não vê as coisas senão entre dois limites, aquém e além dos quais não vê mais. O nosso organismo terrestre pode ser comparado a uma harpa de duas cordas, que são o nervo óptico e o nervo auditivo. Uma certa espécie de movimento coloca em vibração o primeiro e uma outra espécie de movimentos coloca em vibração o segundo: aí está toda a sensação humana, mais restrita aqui do que a de certos seres vivos, de certos insetos, por exemplo, nos quais essas mesmas cordas, da visão e do ouvido, são mais delicadas. Ora, existem, em realidade, na Natureza não dois, mas dez, cem, mil espécies de movimentos. A ciência física nos ensina, portanto, que vivemos assim no meio de um mundo invisível para nós, e que não é impossível que seres (invisíveis igualmente para nós) vivam igualmente sobre a Terra, numa ordem de sensações absolutamente diferentes da nossa, e sem que possamos apreciar a sua presença, a menos que não se manifestem a nós por fatos entrando na nossa ordem de sensações. |
Diante
de tais verdades, que não fazem ainda senão entreabrir, quanto a
negação a priori parece absurda e sem valor! Quando se compara o pouco
que sabemos, e a exigüidade da nossa esfera de percepção à quantidade
do que existe, não se pode impedir de concluir que não sabemos nada e
que tudo nos resta a saber. Com que direito pronunciaremos, pois, a
palavra "impossível" diante dos fatos que constatamos sem poder
descobrir-lhes a causa única? A ciência nos abre visões, tão autorizadas quanto as precedentes, sobre os fenômenos da vida e da morte e sobre a força que nos anima. Basta-nos observar a circulação das existências. Tudo não é senão metamorfose. Transportados em seu curso eterno, os átomos constitutivos da matéria passam, sem cessar, de um corpo a outro, do animal à planta, da planta à atmosfera, da atmosfera ao homem, e nosso próprio corpo, durante a duração inteira de nosso vida, muda incessantemente de substância constitutiva, como a chama não brilha senão pelos elementos renovados sem cessar; e quando a alma se evola, esse mesmo corpo, tantas vezes transportado já durante a vida, devolve definitivamente à Natureza todas as moléculas para não mais retomá-las. Ao dogma inadmissível da ressurreição da carne substituiu-se a alta doutrina da transmigração das almas. Eis o sol de abril que irradia nos céus e nos inunda com o seu primeiro orvalho calorescente. Já os campos despertam, já os primeiros botões se entreabrem, já a primavera floresce, o azul celeste sorri, e a ressurreição se opera; e, todavia, esta vida nova não está formada senão pela morte e não recobre senão ruínas! De onde vem a seiva dessas árvores que reverdecem no campo dos mortos? De onde vem essa umidade que nutre as raízes? De onde vêm todos os elementos que vão fazer aparecer, sob as carícias de maio, as pequenas flores silenciosas e os pássaros cantores? – Da morte?... Senhores..., desses cadáveres sepultados na noite sinistra dos túmulos!... Lei suprema da Natureza, o corpo não é senão um conjunto transitório de partículas que não lhe pertencem de nenhum modo, e que a alma agrupou segundo o seu próprio tipo, para se criarem órgãos pondo-a em relação com o nosso mundo físico. E, ao passo que o nosso corpo se renova assim, peça por peça, pela mudança perpétua das matérias, ao passo que um dia cai, massa inerte, para não mais se levantar, o nosso Espírito, ser pessoal, guardou constantemente a sua identidade indestrutível, reinou soberanamente sobre a matéria da qual estava revestido, estabelecendo assim, por esse fato constante e universal, a sua personalidade independente, a sua essência espiritual não submissa ao império do espaço e do tempo, sua grandeza individual, a sua imortalidade. |
Em
que consiste o mistério da vida? Por que laços a alma está ligada ao
organismo? Por qual solução ela dele se escapa? Sob qual forma, e em
quais condições, ela existe depois da morte? – Estão aí, Senhores,
tantos problemas que estão longe de serem resolvidos, e cujo conjunto
constituirá a ciência psicológica do futuro. Certos homens podem negar
a própria existência da alma, como a de Deus, afirmarem que a verdade
moral não existe, que não há, de nenhum modo, leis inteligentes na
Natureza, e que nós, espiritualistas, somos vítimas de uma imensa
ilusão. Outros podem, opondo-se-lhes, declarar que conhecem, por um
privilégio especial, a essência da alma humana, a forma do Ser supremo,
o estado da vida futura, e nos tratar de ateus, porque a nossa razão se
recusa à sua fé. Uns e outros, Senhores, não impedirão que estejamos
aqui, em face dos maiores problemas, que não nos interessemos por essas
coisas (que estão longe de nós serem estranhas), e que não tenhamos o
direito de aplicar o método experimental, da ciência contemporânea, na
pesquisa da verdade. É pelo estudo positivo dos efeitos que se remonta à apreciação das causas. Na ordem dos estudos reunidos sob a denominação genérica de "Espiritismo", os fatos existem. Mas ninguém conhece o seu modo de produção. Eles existem, tão bem quanto os fenômenos elétricos, luminosos, caloríficos; mas, Senhores, não conhecemos nem a biologia e nem a fisiologia. O que é o corpo humano? O que é o cérebro? Qual é a ação absoluta da alma? Nós o ignoramos. Ignoramos igualmente a essência da eletricidade, a essência da luz; é, pois, sábio observar, sem tomar partido, todos esses fatos, e tentar determinar-lhes as causas, que são, talvez, espécies diversas e mais numerosas do que não o supusemos até aqui. Que aqueles cuja visão está limitada pelo orgulho, ou pelos preconceitos, não compreendem de nenhum modo esses ansiosos desejos dos nossos pensamentos ávidos de conhecerem; que lancem sobre esse gênero de estudo, o sarcasmo ou o anátema; elevamos mais alto as nossas contemplações!... Tu foste o primeiro, ó mestre e amigo! tu foste o primeiro que, desde o início da minha carreira astronômica, testemunhou uma viva simpatia pelas minhas deduções relativas à existência de humanidades celestes; porque, tendo na mão o livro da Pluralidade dos mundos habitados, o colocaste em seguida na base do edifício doutrinário que sonhavas. Muito freqüentemente, nos entretemos juntos dessa vida celeste tão misteriosa; agora, ó alma! sabes por uma visão direta, em que consiste essa vida espiritual, à qual retornaremos todos, e que nos esquecemos durante esta existência. |
Agora
retornastes a esse mundo de onde viemos, e recolhes os frutos dos teus
estudos terrestres. O teu envoltório dorme aos nossos pés, teu cérebro
está aniquilado, os teus olhos estão fechados para não mais se abrirem,
a tua palavra não se fará mais ouvir... Sabemos que todos nós
chegaremos a esse mesmo último sonho, à mesma inércia, ao mesmo pó. Mas
não é nesse envoltório que colocamos a nossa glória e a nossa
esperança. O corpo cai, a alma permanece e retorna ao espaço.
Encontrar-nos-emos, nesse mundo melhor, e no céu imenso onde se
exercerão as nossas faculdades, as mais poderosas, continuaremos os
estudos que não tinham sobre a Terra senão um teatro muito estreito
para contê-los. Gostamos mais de saber esta verdade do que crer que tudo jaz inteiramente nesse cadáver, e que a tua alma haja sido destruída pela cessação do funcionamento de um órgão. A imortalidade é a luz da vida, como esse brilhante Sol é a luz da Natureza. Até breve meu caro Allan Kardec, até breve. |